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À deriva: rumo ao desumano

As últimas semanas têm-se apresentado como o culminar dos sentimentos anti-imigração que têm vindo a ganhar força nos últimos anos. A crise de refugiados tem sido acompanhada com a ascensão da extrema direita. A ignorância, falta de informação e o mediatismo propositado dos media conduz a sentimentos de repulsa e medos que não devem ser subvalorizados, mas que também muitas vezes não são fundamentados.

Nos Estados Unidos da América, Trump continua focado em cumprir as suas promessas de perseguição aos imigrantes. Além do desejo de construção do muro com o México, aplicou ainda medidas de tolerância zero à imigração ilegal, sendo o mais polémico a separação de famílias e a falta de condições para reter esses imigrantes, especialmente crianças que não têm acesso aos cuidados necessários e a um sistema de apoio psicológico adequado.

Pela Europa, a situação continua a piorar. Com poucos planos para lidar com a crise de refugiados que chegam todos os dias às portas da Europa, a falta de cooperação e coordenação entre países europeus custa milhares de vidas a quem tenta escapar do caos e cria sentimentos de insegurança a quem os deveria receber. A crise de refugiados tem sido um dos maiores problemas da política externa nos últimos seis anos, mas já antes disso se previa esta crise humanitária, contudo, poucos foram aqueles que se prepararam para lidar com ela. E as medidas tomadas, são medidas de remendo rápido sem um plano sustentável a longo prazo. As recentes declarações de Trump que idolatra Kim Jong-un no seu trabalho como governador, e agora, o uso de crianças para pressionar os Democratas, faz-nos questionar se será este homem capaz de liderar aquela que um dia foi a maior Nação do mundo, principal defensora dos Direitos Humanos e Democracia.

Na Hungria e Itália, que são dos países da Europa mais sobrecarregados com o fluxo migratório, cresce junto da população o apoio à extrema direita, na esperança que “acabem com este problema”. Recentemente, a Hungria, na sequência da Campanha Anti-Soros, instituiu a criminalização da ajuda à imigração, num ataque evidente às ONG’s que dão apoio a estas pessoas, impossibilitando o seu trabalho.

As recentes declarações de Matteo Salvini quebram a política de apoio que a Itália vinha a seguir. Em 2013, foi criado o plano Operação Mare Nostrum para impedir que as mortes que aconteceram no ano anterior se repetissem, um ano depois esse plano foi substituído por uma ação conjunta da união europeia para proceder aos salvamentos no Mar Mediterrâneo. E agora, em 2018, Salvini fechou os portos, primeiro ao Navio de resgate e salvamento Aquarius com 629 pessoas a bordo, e recentemente proibiu a entrada de outros dois navios de resgate vindos da costa da Líbia.

Se por um lado, sou a favor do apoio aos refugiados, por outro, tento não cair na ingenuidade no que diz respeito a esta questão. Numa coisa concordo com Salvini, a Itália não pode ter os encargos dos custos económicos e sociais de uma imigração fora de controlo. Se é necessário haver controlo das fronteiras? Sem dúvida, mas controlo não significa fecho. Há que avaliar os casos de asilo a que devemos prestar apoio, criar infraestruturas com as condições necessárias enquanto estas pessoas esperam, criar acessos à educação já que são os jovens e crianças os mais vulneráveis, acelerar o processo de acolhimento, criar medidas a longo prazo que garantam a integração dos refugiados e fazer uma distribuição consciente baseada nas possibilidades de acolhimento de cada país. O acolhimento de milhares de pessoas gera também um investimento por parte do Estado que os acolhe, mas estas pessoas têm também potencial para dar muito ao país se tiverem o apoio certo. No entanto, não é sustentável que todos se desloquem para a Alemanha ou outros países com economias mais fortes, os seus recursos de acolhimento são limitados, causaria problemas logísticos devido à pressão demográfica e económica e, além disso, o que está em causa é encontrar um lugar seguro para viver e não uma migração económica.

Esta Crise Humanitária só pode ser resolvida através de um acordo coletivo entre países e com a definição clara das diretrizes a seguir. Há que relembrar que isto não é um Nós contra Eles. Os refugiados não são pessoas de segunda, principalmente quando todos Nós temos a nossa quota parte de responsabilidade nessas guerras, a venda de armas e a intervenção para beneficio próprio alimentaram os grupos de resistência e deixaram um vazio de poder que os grupos terroristas tentam ocupar. À deriva, sem planos, sem mantimentos e sem condições ficam milhares de pessoas, provocando mais sofrimento a quem já tanto sofreu. Ser salvo por um navio de resgate já não gera um sentimento de alivio, é mais uma etapa de uma viajem difícil, sem rumo certo e que muitos não conseguem terminar.

Este não é um problema dos outros, é um problema de todos. É importante garantir a nossa segurança, existir controlo nas nossas fronteiras, mas é também fundamental manter os nossos valores. Estas medidas que são um atentado aos Direitos Humanos não devem ser apoiadas nem justificadas pelo medo. No maior desafio do século é importante definirmos aquilo que é mais importante e que nos define como país e como sociedade. O que está em causa é a luta pelos Direitos Humanos, e o caminho não é o isolamento dos países e o desprezo pela vida humana.

Inês Carpinteiro

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