Viagens

Zambujeira do Mar

Na primeira semana do passado mês de agosto, esteve a atuar, na Zambujeira do Mar, a superestrela brasileira Anitta, cujo percurso admiro. Foi nome de cartaz no Festival do Sudoeste, na Herdade da Casa Branca, que atrai a esta zona balnear do Alentejo, desde o fim dos anos 1990, os melhores músicos do mundo.

Tornou-se uma praia muito conhecida devido ao festival que, durante quatro noites, traz à Herdade centenas de milhares de pessoas. Integrada no Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, a Zambujeira do Mar começou assim a constar dos roteiros turísticos de Portugal, sendo procurada por nacionais e estrangeiros também pelas belezas naturais bem preservadas e os desportos náuticos.

A Zambujeira foi a praia da minha infância. Da minha aldeia de Santa Clara-a-Velha, apanhávamos a camioneta da carreira, passávamos por Odemira e, logo a seguir a São Teotónio, surgia o mar ao longe. A viagem era em si uma aventura. Antes de chegar à Zambujeira, os adultos apontavam o Almograve como a “praia da Amália”, a diva que celebrizou o lugar.

Naqueles anos da minha infância, a aldeia da Zambujeira era um pequeno aglomerado de casinhas brancas construídas no alto das falésias, junto ao largo da igreja, dotada de um miradouro com um panorama deslumbrante.

Os meus pais alugavam dois quartos na casa da viúva de um pescador, com serventia de cozinha. Éramos três crianças, barulhentas e traquinas, mas a Ti Bia nunca nos ralhava por brincarmos no seu quintal. Não havia água canalizada na aldeia e ajudávamos a mãe com cantarinhos de barro a ir buscar água a uma fonte. Íamos descalços pela areia até lá chegar. No caminho, havia muitas camarinhas que apanhávamos e comíamos deliciados.

Da casa da Ti Bia, descíamos uma pequena ladeira íngreme que desembocava no areal da praia. Não senti amor à primeira vista por aquele mar de águas frias e ondas gigantescas que nos amedrontavam. Avolumavam-se ao longe e vinham bater, ruidosas, nos rochedos negros, em montanhas de espuma. Os avisos constantes de “cuidado não se afastem”, “atenção às ondas”, “o mar é perigoso”, deixavam no ar uma ameaça desconhecida. Tenho presente o terror do meu irmão mais novo, com os seus quatro aninhos, a tentar subir pelas rochas para fugir da água, enquanto gritava: “O mar é grande, a água é muita!”

O nosso pai vinha apenas ao fim de semana e não gostava de multidões. Assim, preferia caminhar, sob o sol escaldante, em marcha lenta, com os três filhos pequenos atrás, para se dirigir a uma pequena praia afastada. Era a praia dos Alteirinhos, meio escondida e de acesso difícil, onde tínhamos que descer a falésia por uma ladeira natural. Na maré cheia, refugiávamo-nos em cima das rochas da falésia.

No mar, apareciam polvos junto às rochas que o meu pai pescava e que me assustavam com os seus múltiplos braços; sabia que havia moreias, um tipo de cobra que eu via a secar à porta das tabernas, e também percebes na maré baixa, o petisco favorito do meu pai, e ainda as lapas, os burriés e as lambujinhas.

Naqueles anos de férias na Zambujeira, a minha noção de praia era ficar na areia, à beirinha da água, onde as ondas se desfaziam em espuma, fugir quando vinha uma onda maior e molhar-me numa poça junto a alguma rocha. O mar bravo, impressionante e temeroso era cheio de vida e de mistério.

Sou das planícies áridas e secas do Alentejo onde o mar nem chega a ser miragem. Sempre gostei de ter “mar” no meu nome. Sou “Marujo” de apelido, mas nunca soube de onde a minha família de alentejanos do interior o foi buscar.

A combinação perfeita de música e mar leva muita gente à Zambujeira do Mar, um lugar único que continua dentro do meu coração e me traz inesquecíveis lembranças.

 

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www.donate.utoronto.ca/Marujo

Imagens cedidas por Manuela Marujo

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