Viagens

Pedacinho de céu no sul do Brasil

O nome do barzinho da Dona Zenaide “Pedacinho do Céu” traduz exatamente o que sinto, sempre que chego ao Balneário dos Açores na Ilha de Santa Catarina.

O Balneário fica localizado entre duas praias. Desço uma pequena duna e, caminhando na areia firme e clara durante cerca de uma hora, percorro as praias Solidão, Açores e Pântano do Sul. De um lado, o cenário é um vasto vale verdejante com morros elevados cobertos de mata atlântica, do outro, o azul do mar pontilhado, ao longe, pelas Três Irmãs, pequenas ilhotas desabitadas.

A Solidão, ou “Praia do Rio das Pacas” (o nome original), é a última praia do sul da ilha aonde se pode chegar de carro. Eu prefiro caminhar pela areia e chegar lá, depois de subir um morro baixo, e ir fazendo pequenas paragens para admirar a bela paisagem; quando a maré está muito vazia, caminha-se pela praia rodeando as rochas que a separam do Balneário dos Açores.

Do lado oposto, fica a localidade do Pântano do Sul fundada pelos “manezinhos” açorianos que, nesse cantinho, se fixaram há mais de duzentos anos. Aí caçaram baleias e hoje ainda conserva o seu modo de vida ligado à pesca: da tainha, do peixe-espada, da lula e da garoupa. Gosto sempre de ver chegar os barcos de pesca e parar, curiosa, para descobrir que peixe foi apanhado pelos homens nesse dia. É sempre com respeito que observo o esforço físico de puxar os barcos, trabalho de equipa cujo ritmo é necessariamente lento.

A praia dos Açores é o meu pedacinho de céu. Por ser moroso o acesso a estas praias do sul e a água do mar menos quente do que no norte da Ilha, não há muitos turistas e a praia é sossegada e limpa. Não há bares, altifalantes a debitar música e pregões de vendedores. A tranquilidade deste recanto é apenas perturbada pelas risadas de crianças pulando nas ondas.

Observo os pescadores solitários na pesca artesanal da tarrafa que, durante horas, aguentam firmes, observando as águas imersos até à cintura, de rede na mão, à procura de peixe. Geralmente pescam pouco e eu interrogo-me sobre a satisfação que devem sentir. Meditam? Ou é o olhar contínuo sobre a cor azul das águas que lhes traz tranquilidade e assim os recompensa?

Quando caminho, encontro garças brancas, sempre solitárias, à beira da praia. Pescam o seu alimento entre os cardumes de peixe que brilham ao sol e assim se denunciam.

É surpreendente, para algumas pessoas, ouvir falar dos Açores na costa de Santa Catarina. Na verdade, a explicação é simples.

Foi na primeira metade do século XVIII que o rei João V incentivou 6.000 casais açorianos a virem povoar Santa Catarina e o Rio Grande do Sul. As promessas de terras, sementes e ferramentas de cultivo foram um enorme estímulo para enfrentar uma viagem tão longa e perigosa. Os primeiros 600 povoadores chegaram a Santa Catarina em 1748. Para impedir os espanhóis de tomarem conta destas terras, interessava à coroa portuguesa povoar a Ilha e a costa catarinense.

Passados mais de 300 anos sobre o povoamento (a que depois se juntaram italianos e alemães), é admirável ouvir o carinho com que muitos catarinenses se referem às suas origens açorianas resgatando o património material e imaterial que está ligado aos Açores, em particular à Ilha Terceira, donde veio a maioria.

O mar Atlântico, que une Portugal e Brasil, criou algo forte que aproxima portugueses e brasileiros muito para além da língua, – uma forma de estar e de sentir.

Há mais de dez anos que tive a sorte de descobrir este pedacinho de céu – só espero ter saúde e energia para poder voltar, durante muitos invernos canadianos, e continuar a desfrutar da beleza e tranquilidade que este lugar oferece.

Manuela Marujo
Imagens cedidas por Manuela Marujo

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