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Florianópolis em festa de Carnaval

A lembrança mais antiga que guardo de Carnaval é ver o meu pai mascarado. Funcionário público da Casa do Povo, numa pequena aldeia alentejana, no dia-a-dia, o seu porte austero inspirava respeito, receio até, e não era pessoa de brincadeiras. Eu devia ter cinco ou seis anos e arregalei os olhos quando vi o meu pai mascarado, de cabeleira longa, vassoura voadora – uma bruxinha simpática.

Nesse primeiro Carnaval de que me lembro, e noutros que se seguiram, o meu pai transformava-se numa pessoa diferente: rindo e brincando, revelava-nos um aspeto desconhecido da sua personalidade. Ele e outros homens da aldeia tinham a liberdade de se divertirem usando roupas de mulher, sendo essa prática aceite com mais humor do que crítica.

O “Bloco dos sujos”, que tem lugar no sábado de Carnaval de Florianópolis, traz-me à memória essas imagens da minha infância. Desfilam homens em trajes femininos, maquilhados, de peruca e saltos altos, mas deixando bem visível a barba, bem como as pernas e axilas peludas. Segundo explica o filósofo brasileiro L. Karnal, a inversão de género é uma necessidade humana de subverter a ordem estabelecida. Simboliza a irreverência, a liberdade e sentido de folia. Muitos saem acompanhados de suas mulheres ou namoradas, em grupos barulhentos e alegres, divertindo-se e fazendo sorrir quem os vê passar assim trajados.

Milhares de pessoas concentram-se junto à catedral, na famosa Praça XV, mas também se juntam pelas ruas do centro da cidade movimentando os corpos, ao som de música exageradamente alta. São consumidos litros e litros de água fresca, cachaça e, em especial, muita cerveja. O calor neste último sábado atingiu quase 40 graus. Isso em nada mudou a festa em que participaram famílias com filhos pequenos, avós e netos comungando da mesma alegria. No entanto, são as multidões de jovens que surpreendem pela sua vivacidade, amabilidade e jovialidade. Não vi qualquer sinal de policiamento e não me senti insegura em nenhum momento. Segundo informação oficial, estiveram no Centro 150.000 pessoas.

É do conhecimento geral que, no Brasil, o Carnaval se festeja com uma exuberância única. O Entrudo português foi trazido para o Brasil e reinventado. O Rio de Janeiro é a cidade-símbolo da maior festa popular do mundo, mas também têm fama as da Bahia, Pernambuco, São Paulo e de outras cidades.

Florianópolis, a capital do Estado de Santa Catarina, não é exceção e os festejos são bem concorridos. As festas no centro da cidade e nas freguesias da Ilha e continente atraem os habitantes e milhares de turistas. Começa com o Enterro da Tristeza na quinta-feira que precede o Carnaval e prolonga-se até à quarta-feira de cinzas. Os desfiles dos blocos carnavalescos, na sexta-feira, pelos pontos principais do centro, são a maior atração e, desse modo, anunciam o que irá ter lugar na passarela Nego Querido, no sábado à noite até de madrugada. O bloco “Berbigão de Boca” é tradicionalmente aquele que “abre” a festa acompanhado pelo “Bloco dos bonecos gigantes”. Na passarela, as escolas de samba desfilam durante horas. Impressiona-me ver, no fim do espetáculo, centenas de adereços coloridos abandonados, um desperdício que me entristece…

Prefiro deslocar-me até uma das pequenas freguesias e observar a alegria com que o povo festeja. Já assisti às festas de Carnaval no Pântano do Sul, na Armação, em Santo António de Lisboa e no Ribeirão da Ilha. Crianças, jovens, e pessoas de todas as idades cantam, dançam e usam fantasias coloridas. Há muita música, espetáculos com artistas locais ou convidados. Por fazer calor e o espírito ser de festa, bebe-se demasiado álcool nas barraquinhas ao ar livre e o comportamento de alguns ultrapassa as raias da alegria. Ninguém parece ficar chocado com estes excessos, que revelam um erotismo expresso e uma liberalidade de costumes, cumprindo-se assim o velho ditado: “É Carnaval, ninguém leva a mal”.

Manuela Marujo

Imagens cedidas por Manuela Marujo

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