Lifestyle

Patrick Brown, e a lista “goes on”…

Humberta Araujo
Curadora

-Bilhetes por favor. Bilhetes por favor.
Na minha viagem de comboio a caminho de Toronto, o “revisor” chega-se a mim, e pede-me o meu bilhete. Prontamente, entrego-lhe a folhita, que há pressa havia imprimido no hotel (serviço supostamente incluído no pacote, como publicitava o site, mas que descobri ser publicidade enganosa: as duas águas minerais, o wifi, as chamadas telefónicas ilimitadas no Canadá e EUA, a prova de cerveja, dois bilhetes de autocarro, assim como o uso da impressora, e o retrato de família numa loja de chocolates, não eram oferecidos. Paguei-os, através da chamada “resort fee”. Não me perguntaram se os queria, nem me disseram que os teria de pagar. Mas, esta história fica para desenvolver, numa próxima crónica.
Voltemos então ao “cobrador” dos bilhetes da Via Rail.
O macho olha para o meu bilhete, e diz-me:
– Você alterou a sua passagem!
Eu olho para o macho, e digo-lhe:
– Desculpe, deve haver engano. Eu não alterei coisa nenhuma. Fiz a reserva há uns dias, e nunca mais lhe toquei.
– Você alterou com certeza o bilhete, pois não está aqui na minha lista.
– Veja a data da reserva e a confirmação da minha viagem. Está tudo aí! Não alterei nenhuma data. – Respondi-lhe já a ferver.
Ele passa-me o “scanner” no bilhete, e repete:
– Você deve ter alterado a sua passagem.
Acho que o que me salvou, foi o facto de me manter caladinha na minha ‘insignificância”, e de o comboio já estar em andamento. Caso contrário, se abrisse a boca para defender a minha ”honra”, corria o risco de passar a noite a dormir na sala de espera da Via Rail, e gritar raios e coriscos às paredes, que indubitavelmente, me olhariam no seu pasmo silencioso, sem me darem uma resposta.
Esta história toda, para deixar uma pergunta aos nossos leitores/as. Caso fosse um homem sentado no meu lugar, acha que a insistência do revisor seria a mesma? De maneira nenhuma! Tenho a certeza que o macho da Via Rail, confrontado com a resposta de um outro macho, diria.
“Possivelmente um erro no sistema. As minhas desculpas”.
E aí está, acredito, parte de toda a discussão em torno do assédio sexual e agressões físicas e psicológicas, perpetradas contra mulheres, por homens influentes, com cargos de poder na política, no meio empresarial e artístico. A lista de homens em posições influentes, acusados de conduta inapropriada, cresce diariamente, graças à coragem de um grupo de mulheres, que começou a dar nas vistas, aqui no Canadá, com o caso Jian Ghomeshi. Nas últimas semanas, juntou-se a esta lista Patrick Brown, presidente do partido Progressive Conservative do Ontário, horas depois de Jamie Baillie, líder do PC da Nova Scotia, se ter demitido. Horas mais tarde, seria a vez do desastre bater à porta dos liberais, na sequência de alegada conduta inapropriada do Ministro dos Desportos, Kent Hehr. Hehr foi acusado de assédio sexual, ao ponto de as funcionárias do seu gabinete terem sido avisadas, para não o acompanharem nos elevadores, e de o evitarem, caso estivesse a ingerir bebidas alcoólicas. Como seria de calcular, demitiu-se. Num país governado por um partido e um líder autointitulado de feminista, o exemplo terá de vir de cima.
Um recente inquérito da agência “Canadian Press”, revela que mais da metade das deputadas inquiridas, vivenciaram condutas inapropriadas no parlamento, incluindo observações inadequadas ou indesejadas, gestos ou textos de natureza sexual. Três deputadas afirmaram mesmo, que foram vítimas de agressão sexual, e quatro sofreram assédio insistente e repetido.
Numa nova “revolução sexual”, a caça aos predadores instalou-se, num movimento internacional que está a trazer ao de cima uma podridão de séculos, que parece não querer parar, até à purga completa. Ainda bem, porque por vezes eles chegam como cordeirinhos mansos, usando e abusando das suas posições de poder, com as quais manipulam e agridem física e emocionalmente as mulheres. Uma atitude, que lhes proporciona satisfação pessoal, pois permite que provem a eles próprios, que são machos, que têm poder e que o podem utilizar a seu bel-prazer e sem consequências. Esta prática selvagem, tem destruído a vida de milhares de jovens. Veja-se, por exemplo, o caso de Larry Nassar, médico da equipa olímpica de ginástica dos EUA, ao ponto de uma das jovens se ter suicidado.
No setor artístico, o episódio de Harvey Weinstein, cuja conduta criminosa durante décadas foi detalhada pelo jornal New York Times. Não fora a coragem de atrizes como Rose McGowan e Ashley Judd, o mogul do cinema americano, continuaria a sua tática junto de jovens atrizes, prometendo-lhes ajuda nas suas carreiras artísticas, em troca de favores sexuais. O mesmo acontecendo na província do Quebeque com Gilbert Rozon, presidente do grupo “Juste pour rire”, e comissário de festas do aniversário da cidade de Montreal.
Neste movimento de limpeza, inclui-se também a atitude de muitas mulheres com poder, que abusam sexualmente de homens em posições subordinadas, os quais precisam ser reconhecidos e apoiados, pelas suas atitudes heroicas, quando apontam o dedo às suas agressoras e agressores.
Acho igualmente triste, o caso de muitas mulheres, que se mostram defensoras dos homens, pondo em causa muitas das alegações trazidas a público. Os homens conscientes não precisam de ser defendidos, até porque eles próprios estão a favor desta purga social. Veja-se o caso do recém-criado movimento “We Too”, que surgiu em França, após um apelo do realizador Michel Hazavanicius e do jornalista Raphaël Glucksmann, para que os homens se juntem ao movimento feminino, “Me Too”.
Se é verdade, que nesta revolução há mentiras e segundas intenções, e que todos/as são inocentes até prova de culpabilidade, há, no entanto, que continuar a expor, a falar, e a ensinar às novas gerações que o piropo, o galanteio, a atração sexual e o “flirting”, são naturais e aceitáveis, quando forem consentidos e mútuos. Tudo o mais é crime!

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