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Vidas em jogo

A forma como se olha para eles varia de pessoa para pessoa: para uns, são vistos como meros passatempos, que até os ajudam a relaxar e mergulhar num mundo paralelo que os faz esquecer, ainda que momentaneamente, do que os rodeia. Ainda para mais em tempos de pandemia, onde os momentos de convívio após longos dias de trabalho ou a socialização entre amigos de longa data, por exemplo, se tornaram “coisa do passado”.

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Créditos: DR.

Só que para outras pessoas a sensação de “evasão” torna-se quase uma droga, um vício muitas vezes difícil – ou quase impossível – de controlar.  Nesta edição do jornal Milénio Stadium conversámos com o psicólogo, fundador e diretor do Instituto de Apoio ao Jogador, Pedro Hubert, para percebermos como se controla quem joga e como se pode evitar colocar a vida – literalmente – em jogo.

Milénio Stadium: Dados recentes divulgados pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos revelam que se registou um aumento exponencial de apostas e jogos online neste último ano. De que forma é que a pandemia que vivemos pode ter contribuído para tal?

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Psicólogo Pedro Hubert. Crédito: DR.

Dr. Pedro Hubert:  A pandemia obrigou as pessoas a estarem em casa e em casa as pessoas sentem-se mais protegidas, mais confortáveis. E quando se trata de arriscar no jogo, existe às vezes uma componente falaciosa que pode enganar – eu estou sossegado em casa, protegido, perde-se um bocadinho a noção do dinheiro físico e do risco. Acrescido a isto as pessoas estavam muito preocupadas do ponto de vista da saúde, com o que ia acontecer e em saber o que é este vírus. Portanto causou incerteza do ponto de vista da saúde e também causou muita ansiedade, muito stress e muita depressão e é sabido que as pessoas quando estão a jogar veem o jogo como uma espécie de antidepressivo, ou seja, evitam sentimentos desagradáveis, porque estão alheados, estão imersos, estão entretidos a jogar e portanto não sentem coisas desagradáveis. Sentem também uma certa euforia, excitação durante o jogo, portanto estão a sentir-se bem enquanto jogam, ainda por cima com o fator da possibilidade de ganhar dinheiro – e neste tempo de incerteza sanitária, económica e social pensam “se calhar ainda vou ganhar dinheiro”, sobretudo nas apostas desportivas que foi onde se registou um grande aumento. E ainda por cima com o aumento da publicidade e do marketing a toda a hora e a todo o momento juntaram-se uma série de fatores que fizeram com que cada vez mais pessoas jogassem. Agora é o que eu digo sempre: o jogo em si é um comportamento que tem características especiais mas em princípio é inofensivo para a maior parte das pessoas, mas aquelas pessoas que têm predisposição para jogar, seja por que razão for – neurobiológica, hereditária ou traços de personalidade – estas pessoas vão ter problemas.

MS: Há algum tipo de enquadramento (pessoal, profissional ou comportamental) que possa fazer com que uma pessoa tenha mais predisposição para desenvolver uma dependência relacionada com o jogo?

PH: Sim, há uma série de fatores que em geral funcionam todos juntos. O primeiro fator é, por exemplo: é sabido que nas famílias onde há alguma pessoa com dependência – seja álcool, jogo, etc-, a probabilidade de haver outra pessoa com dependência aumenta logo uma percentagem muito forte. Filhos de jogadores sabemos que muitas vezes também eles próprios desenvolvem problemas de jogo.

Depois há populações de risco: os mais jovens, que têm pouco controlo dos impulsos, querem impressionar, querem ganhar, os seniores, os mais velhos que estão reformados, têm liquidez, procuram companhia e animação no casino também. Pessoas com comorbilidades, com depressão, com ansiedade… Portanto há uma série de populações de risco para além daqueles que têm esta predisposição natural, que são pessoas em que às vezes isto se revela nos traços de personalidade: pessoas com iniciativa, com personalidade forte, competitivas, que gostam do desafio, de ganhar e, portanto, estas pessoas estando mais em casa, jogando mais, correm mais risco do que as outras.

MS: Da mesma forma que o volume de apostas aumentou, cresceu também a lista de pessoas proibidas de entrar em casinos e de ter acesso às plataformas digitais. Existe, segundo sei, a possibilidade de uma pessoa se “auto-excluir” – mas aqui já estamos a falar de uma situação em que a pessoa tem que ter a noção que tem um problema… o que nem sempre acontece…

PH: Nestas proibições são as próprias pessoas que se autoexcluem, ou seja, pedem ao serviço: “olhe, não quero que me deixem jogar porque eu perdi o controlo”. Eu até propus ao Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos fazerem essa investigação sobre o perfil das pessoas que pedem a autoexclusão – seria muito interessante! Mas eu tenho a convicção que a maior parte das pessoas que pede autoexclusão são pessoas que tiveram no mínimo uma ou duas experiências negativas com o jogo, em que perderam quantias significativas, senão não iam pedir. Ainda por cima, creio que de 72 mil pessoas 80% pediram por tempo indeterminado, ou seja, é para sempre. Claro que eles depois podem retirar essa autoexclusão, mas quando o fizeram disseram: “eu não quero que me deixem voltar a jogar”. Isto são pessoas que naquele momento acharam que o deviam fazer, e ainda têm algum grau de discernimento. Há pessoas que já não querem parar e querem continuar a jogar. Porque há um problema nos jogadores patológicos: é que apesar de muitas vezes serem pessoas com competências acima da média eles acreditam que vão conseguir recuperar jogando aquilo que já perderam anteriormente no jogo. Isso é a grande armadilha – “eu vou recuperar, eles não podem ficar com o meu dinheiro. Vou recuperar o dinheiro todo que perdi e só há uma maneira de o fazer rapidamente que é voltando a jogar”.

MS: Que tipo de estratégias existem e que possam ser postas em prática para contornar estas situações onde o jogo se sobrepõe, muitas vezes, a outras atividades diárias normais (muitas vezes até interferindo na relação com familiares e no desempenho em contexto laboral)?

PH: Há duas vertentes: uma é a prevenção, que normalmente é chamada de jogo responsável: por exemplo, nos sites de apostas existe uma série de informação sobre as probabilidades, como é que se joga e existe a possibilidade da autoexclusão. Existe também a possibilidade de pedir à própria casa de apostas “não me deixem jogar mais do que 10 euros ou 20 euros por dia”, “não me deixem jogar mais do que meia hora”, algumas têm também botão de pânico que é quando uma pessoa sente que está a jogar muito carrega no botão e aquilo desliga. Tem linhas de apoio onde se pode perguntar “olhe, eu estou a jogar desta maneira ou desta, será que estou a jogar de uma forma problemática ou não?”. Ou seja, isto chama-se jogo responsável, em que há uma série de medidas, de travões externos, de redução de danos, de minimização de risco, etc. Ou, se a pessoa já atingiu um patamar de abuso, de problema ou de dependência então aí convém mesmo pedir ou ajuda profissional ou por exemplo frequentar os Jogadores Anónimos – sei que no Canadá há muitos – etc.

MS: Que tipo de acompanhamento é que pode ser feito neste momento em casos de dependência de jogo?

PH: No Instituto de Apoio ao Jogador nós já fazíamos muitas consultas em videoconferência porque tínhamos pessoas de Braga, do Algarve ou pessoas que viajavam, por isso para nós não foi novidade. Mas muitas vezes nós gostamos de envolver a família no tratamento e por Zoom tem funcionado muito bem – claro que é sempre melhor presencialmente, porque é diferente, “apanha-se” mais coisas. Mas as sessões têm funcionado muito bem, as sessões de psicoterapia vocacionadas para deixar de jogar através do Zoom, que é a plataforma que tenho utilizado, mas que poderia ser outra qualquer. Através de videoconferência é perfeitamente possível atender pessoas do princípio ao fim do tratamento.

Inês Barbosa/MS

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