Temas de Capa

Vida em jogo

Primeiro começou por ser apenas um divertimento. Uma forma de passar tempo e conviver com alguém que se sabe está do outro lado, mas não nos vê e não nos conhece. Alexandre (nome fictício) começou cedo a tentar a sorte nos jogos online. E a sorte sorriu-lhe… algumas vezes. E Alexandre também.

Os dias começaram a parecer longos demais, nunca mais chegava a hora do regresso a casa – a noite encobria-lhe o desejo que, aos poucos, se transformou em vício. Com o portátil nas pernas, Alexandre jogava. Cada vez mais. Cada vez de forma mais obsessiva. As noites passaram a ser cheias e curtas. Os jogos online começaram a transbordar as noites e a invadir-lhe os dias. O dinheiro ganho entusiasmava e impulsionava a continuar, para ganhar mais e mais. E o que se perdia, entre fumo de cigarros que envolvia o ambiente, fazia acreditar que um jogo mais poderia fazer recuperar tudo. Dias e dias, noites e noites, meses, anos e anos…

Alexandre vivia bem. Muito bem até. A família garantia-lhe uma boa vida e o dinheiro nunca foi um problema. A vida era bela e fácil. Como era fácil, apenas à distância de um clique, entrar no mundo das apostas e jogos. Ninguém o via “andar por aí”, ninguém nunca o viu entrar num casino, numa sala de jogos. Alexandre parecia o filho exemplar, que raramente sai de casa. Até que as olheiras começaram a denunciar-lhe as noites em claro e o dinheiro que nunca deixou de encher-lhe os bolsos, começou a falhar.  De repente, viu-se na necessidade de mentir – “tive um problema com o meu cartão e não consigo levantar dinheiro. Empresta-me que amanhã ou depois devolvo-te”. E se a noite corresse bem, devolvia. Mas foram muitas as noites e os dias em que tudo correu mal. E o dinheiro desaparecia a uma velocidade vertiginosa. Alexandre não queria acreditar – “no próximo jogo recupero”. A vida passou a ser medida por vitórias e derrotas. Dinheiro que entra fácil, mas que sai de forma supersónica. Nada mais parecia interessar a Alexandre. Desleixado consigo próprio e sem interesse por mais nada nem ninguém. Começou a irritar-se com aqueles que ousavam chamar-lhe a atenção para aquilo que já tinha todos os contornos de dependência obsessiva, com efeitos sérios no seu relacionamento social e familiar. Alexandre isolava-se cada vez mais e o jogo online tornara-se o centro de toda a sua vida. Uma vida cada vez mais desorganizada e financeiramente mais desgraçada. As dívidas começaram a acumular-se. E tudo que antes era fácil, porque dinheiro não faltava, começou a ser demasiado difícil. A família, que antes parecia não querer ver o que aos olhos de muitos era já uma evidência, começou a aceitar que Alexandre tinha um problema. As conversas começaram. A medo primeiro, tensas, mas depois determinadas – “tens que te tratar, não há mais dinheiro se não te tratares!”.

A vida de Alexandre mudou quando ele próprio percebeu que tinha posto tudo em jogo. Literalmente. Prometeu tratar-se. Faltou à sua palavra, muitas vezes, mas mudou. A falta de dinheiro fácil, perdido ao longo dos anos algures nos teclados de computador, também ajudou. O que não deixa de ser profundamente irónico. Hoje a vida não é tão fácil, mas Alexandre conseguiu passar a jogar um jogo mais saudável – o da vida. E deixou de ter a vida em jogo.

Madalena Balça /MS

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