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Um Mandamento Novo

Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra entre os homes de boa vontade. Lucas 2:14

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Créditos: Gareth Harper

Esta quadra é aquela que, por excelência, nos convoca para a partilha de sentimentos de paz, solidariedade e amor ao próximo. A expressão destes sentimentos passa por pequenos gestos que podem ajudar alguém a ser mais feliz. É por isso que Ary dos Santos, no poema em que afirma que oNatal será  “quando um homem quiser”, não se refere à data em si, mas à carga simbólica que a mesma acarreta, que pode e deve ser lembrada durante o ano inteiro.

No mundo católico, a natividade de Jesus é o ponto alto das festividades, não só pela celebração de uma vida que nasce, mas também pela representação do triângulo familiar que os presépios nos mostram. Privilegiam-se, assim, os encontros de família com a partilha da mesa posta, da festa e da dádiva, traduzida esta na troca de presentes.

Sabemos de antemão que, por variadíssimas circunstâncias, nem todos poderão gozar da alegria que a época comporta. Algumas famílias foram sujeitas a perdas muito recentes, e sofrem a dor dos lugares vazios dos ausentes; outras conhecem bem o contraste entre as mesas fartas e as cobertas apenas por vitualhas de fome. Sabemos de crianças que nada têm para receber, enquanto outras nem chegam a apreciar a novidade das ofertas, por se perderem na voracidade dos embrulhos por abrir. Muitas destas realidades, de tão repetidas ano a ano, nem chegam a tocar as franjas da nossa comiseração.

Este ano, para além das desigualdades socialmente aceites, temos de destacar um facto que tem dominado as notícias. Duas crianças ucranianas, que me entram diariamente em casa por via televisiva, têm sido o alvo da nossa compaixão, porque foi o nosso país que lhes negou o Natal. À mesa faltará um talher e um nome, o do pai que lhes foi entregue morto – Ihor Homeniuk. Oksana, a viúva, não contou a verdade aos filhos, porque nem ela a conhecia quando lhe foi dada a notícia da morte do marido.

Hoje, com o desenvolvimento que o caso tem tido, envolto em pormenores obscenos e sórdidos,  já sabemos que este cidadão foi brutalmente espancado às mãos de três inspetores do SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras), já detidos com pulseira eletrónica por suspeita de crime de homicídio. 

Ainda criança, aprendi na catequese que se podia pecar por pensamentos, palavras, atos e omissões. E todos estes pecados (para utilizar uma linguagem de ordem moral) foram cometidos, porque: dominados por pensamentos xenófobos de que um estrangeiro é sempre uma ameaça e põe em causa a ordem pública, lhe negaram o direito de entrar em Portugal; há registo de insultos, como se a autoridade de que estão imbuídos lhes permitisse usar linguagem ofensiva; atuaram com extrema e prolongada violência contra alguém que, durante horas, ficou a agonizar em chão português; houve uma cadeia de omissões resultante da cumplicidade de todos os que, tendo sido testemunhas, silenciaram a barbárie.

E pergunto-me como é que tantos (sendo alguns também pais de família) puderam calar para sempre o grito de alguém que apenas pedia aquilo que nós, portugueses, ao longo da nossa história, sempre fizemos – emigrar para dar um futuro melhor aos filhos. E este foi o crime de Ihor – o de sonhar – porque em Lviv, a aldeia onde vivia, Portugal tinha uma boa imagem, a de que acolhia bem os estrangeiros. E acolhemos, pesem embora estas exceções em que não nos revemos como povo.

Em tempo de Natal, lembremos que o Menino Deus, quando se fez  Homem, nos deixou um mandamento novo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Se o praticarmos, o espírito do Natal saltará do poema, para passar a habitar entre os homens de boa vontade nos dias todos do ano.

Aida Batista/MS

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