Temas de Capa

“Se formos ao Havai a um festival religioso podemos acabar a comer um pastel de bacalhau”

O Chiado é um dos embaixadores da comida portuguesa em Toronto e no mundo. Aberto desde 1991, Albino Silva continua a ser uma referência internacional no mundo da cozinha e, apesar de não dar entrevistas, recebeu o Milénio Stadium no 864 da College Street.

Albino já deu aulas no Culinary Institute of America em Nova Iorque e em 2003 recebeu o título de Comendador das mãos da República de Portugal pelo seu papel na promoção da gastronomia e da cultura portuguesa no Canadá.

Milénio Stadium: Quando é que os portugueses começaram o processo de fusão de comida?
Albino Silva: Acho que ninguém sabe ao certo, mas a nossa história fala por si própria. A fusão remonta há pelo menos cinco ou seis séculos e desde aí que a nossa interação tem vindo a evoluir.

MS: Quais são os pratos que mais identificam Portugal?
AS: Temos muitos e não sei se temos um que possa ser considerado o mais importante. Diria que talvez nos identifiquem sobretudo com o bacalhau salgado, mas ele é preparado em muitas culturas. Mas fazemo-lo de muitas formas e é uma das proteínas preferidas dos chefs. Somos conhecidos por preparar peixe e acho que o fazemos razoavelmente bem. Temos pratos extraordinários em Portugal, desde os Açores até à Madeira. Em Trás-os-Montes temos porco e ovelha extraordinário, no Alentejo temos a sopa de cação.

MS: Viveu em Nova Iorque e hoje está em Toronto, duas cidades bastante cosmopolitas. A comida é como uma espécie de montra cultural?
AS: Nós relacionamo-nos de muitas formas diferentes com a comida. Convidamos pessoas para casa e oferecemos comida, celebramos as nossas conquistas pessoais, batizados, casamentos. Tomamos o pequeno-almoço, almoçamos, jantamos, quer dizer, continua a ser a maior indústria do mundo. Oxigénio, água, comida e abrigo são as maiores necessidades do ser humano.

MS: A gastronomia é considerada uma arte. Tal como os pintores, os chefs também precisam de se inspirar para criar. Em que é que se influencia para criar um prato?
AS: Eu posso manipular um item, não necessariamente criar. Uso o conhecimento que tenho para estruturar adequadamente um prato e na minha opinião, o elemento mais importante é sempre o valor nutricional. Em segundo lugar, não utilizo comida processada, gosto de combinar ingredientes. Hoje posso dizer que a base dos meus pratos é a simplicidade, menos é mais.

MS: Qual é a sua maior memória de infância?
AS: Tenho muitas, mas a principal talvez seja a da minha tia Maria a apanhar cogumelos selvagens comigo na floresta. Nessa altura eu devia ter seis anos. Ela fazia um risoto de cogumelos selvagens com um estrugido (refogado), um aroma e um sabor extraordinário e inesquecível.

MS: Portugal tem conseguido projetar-se no mundo através dos seus pratos?
AS: Portugal é bem conhecido no mundo graças à sua gastronomia. Por exemplo, a tempura que encontramos num restaurante japonês é uma herança portuguesa. Nós fomos colonizadores e ao contrário de outras culturas, como a britânica, misturámo-nos e transformámo-nos em sal e pimenta. Se formos até à Índia ou até Timor a influência portuguesa está muito presente na gastronomia. Se formos ao Havai a um festival religioso podemos acabar a comer um pastel de bacalhau.

MS: Essa capacidade de nos misturarmos com os outros enriqueceu-nos?
AS: Enriqueceu-nos muito como pessoas e a nível cultural. Nem todos nós conseguimos percebê-lo, mas o processo trouxe-nos muito conhecimento. A amalgamação gera conhecimento e juntos vemos mais do que se estivermos isolados, mais olhos, mais mãos e mais cérebros em todo o processo produzem mais resultados.

MS: O que é os outros pensam sobre a nossa comida? Os canadianos identificam-se com os paladares portugueses?
AS: O Chiado é um dos restaurantes mais antigos da cidade e é considerado um bom sítio para comer. Somos apreciados pelos canadianos e pelos portugueses se calhar nem tanto como eu gostaria que fossemos. Hoje toda a gente serve sardinhas, mas quando eu comecei ninguém o fazia. Os canadianos podem viajar para Portugal através do nosso menu. Podem começar pela Costa portuguesa, Algarve ou Peniche, com as sardinhas grelhadas que são uma excelente proteína, elas nunca saem do nosso menu. Depois podem ir até Lisboa e provar as Amêijoas à Bulhão Pato que nasceram no Chiado no Hotel Continental pela mão de António Bulhão Pato.

Joana Leal

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER