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Quando a maternidade não impede uma carreira de sucesso

“Claro que teria tido mais sucesso na minha carreira se não tivesse tido filhos” - Renata Brum

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Parliament Hill in Ottawa. Créditos: Robbie Palmer

 

Renata Brum nasceu nos Açores, em S. Miguel, Rabo de Peixe, um dos concelhos mais pobres de Portugal e da Europa. Depois de emigrar para o Canadá apostou na formação académica e nem o facto de ser mãe de cinco filhos a impediu de ter uma carreira profissional de sucesso.

Renata trabalhou cerca de seis anos como Citizenship Judge no departamento de Citizenship and Immigration Canada e tem experiência de cinco anos como Senior Citizenship Judge do ministério da Immigration, Refugees and Citizenship Canada. Em 2018 abriu o seu próprio escritório de consultoria em imigração e agora ajuda imigrantes a  legalizarem-se no país. O Brum Immigration está localizado em Otava e abriu as portas em 2018. Renata acredita que as mulheres têm capacidades extraordinárias para o mundo empresarial e não trocava o papel de mãe por nada. 

Milénio Stadium: Diria que nascer homem já é por si mesmo uma vantagem no mercado de trabalho?

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Renata Brum, proprietária da Brum Immigration, com a atual família. Crédito: DR.

Renata Brum: As mulheres têm a desvantagem de, além da luta humana básica para sobreviver e prosperar, carregarem o fardo reprodutivo e terem menos força física. Mas também não foi fácil para os homens. Os homens tiveram que ir para a guerra, sofreram sob o peso do trabalho físico que levou a muitos dos luxos (como saneamento excelente, edifícios e infraestrutura bem construídos) e ainda hoje escolhem empregos mais arriscados. Quando a eletricidade cai durante a noite e estão 30 graus negativos no inverno, são os homens que reparam estas linhas. Agradeço pessoalmente. Acho que a conversa desde os anos 60 tem sido dominada por descrever as dificuldades que as mulheres sofrem – e com razão – que eclipsou as desvantagens que os homens sofrem. Como mãe de cinco filhos, sei que existem vantagens que os homens não têm. Eles nunca experimentam a vibração de uma criança no útero, ou o triunfo do parto, por exemplo, que são experiências mágicas e que nos transformam. E os homens passaram por maus bocados ultimamente, por exemplo, quando muitos no movimento Me Too também proclamaram a culpa de alguns homens sem o devido conhecimento do processo. Em termos de educação, enquanto os homens costumavam dominar as universidades, os números mostram que os universitários são agora na maioria mulheres. No Canadá, se excluirmos os empregos na ciência, tecnologia, engenharia e matemática, as estatísticas são favoráveis às mulheres. Quase 80% dos estudantes de saúde, administração pública, psicologia e educação, ¼ de todos os cursos, são mulheres. As mulheres ocupam cada vez mais posições de liderança em todos os setores. Isto é algo bom, mas acho que as feministas perderam de vista o facto de que algumas mulheres não querem estar em posições de liderança ou trabalhos a tempo inteiro porque querem apenas ser mães. Algumas sentem que é muito difícil ter um trabalho no ramo das finanças ou do direito quando precisam de estar acordadas às quatro da manhã para amamentar o filho. Nas sociedades livres, quando as mulheres têm liberdade de escolher as suas carreiras, a diferença entre homens e mulheres aparece nas carreiras que eles escolhem e, na minha opinião, isso não significa que as mulheres não alcançaram a igualdade. O que devemos ter é igualdade de oportunidades – mas resultados iguais não são uma garantia. A competência e não o género é que devem determinar o sucesso no mercado de trabalho. Mas ainda é importante que homens e mulheres lutem na nossa sociedade contra a discriminação das mulheres porque ainda existem lacunas. As mulheres que moldaram as suas sociedades para que estas se tornassem mais iguais precisam de ajudar as de outros países que ainda não têm as mesmas oportunidades. 

MS: As mulheres têm características que são úteis no mundo dos negócios? 

RB: As mulheres possuem competências muito importantes para o mundo dos negócios. Por exemplo, há empresários bem conhecidos e ricos que indicaram que as empresas dirigidas por mulheres ganharam mais dinheiro. Os motivos são vários: as mulheres são multitarefas porque têm de conciliar as responsabilidades da maternidade e isso faz com que se tornem excelentes na gestão do tempo; as mulheres tendem a ser mais realistas sobre os seus objetivos (talvez por serem mais modestas do que os homens ou porque têm o chamado síndrome do impostor) e, por isso, estabelecem metas alcançáveis que os seus funcionários e as empresas podem alcançar. Isso faz com que o ambiente de trabalho seja saudável e os trabalhadores tenham índices de felicidade elevados. Mas existem outras competências como o facto de as mulheres ouvirem realmente os outros, entenderem as necessidades dos seus colegas e dos clientes e terem a capacidade de aceitar críticas. Mas existem tantos exemplos de setores onde as chamadas características “femininas” melhoram os locais de trabalho.

“A competência e não o género é que devem determinar o sucesso no mercado de trabalho”

MS: A sua carreira foi afetada pela maternidade?

RB: Tive cinco filhos em cinco anos e meio, por isso não fazia sentido ir trabalhar quando estava grávida todos os anos, ou durante os anos em que os meus filhos eram muito pequenos. Eles precisavam de mim e eu era insubstituível para eles. Mais importante, eu não queria trabalhar fora de casa, porque ia implicar que eu tivesse que abdicar do meu papel de mãe e esse era um papel que eu não queria passar para mais ninguém. Claro que eu poderia ter feito mais progressos na minha carreira se não tivesse filhos. Mas ter cinco filhos tornou-me uma pessoa impressionante para os outros, em todos os empregos que ocupei, especialmente porque o fazia bem. Mas nunca pensei na minha carreira quando os estava a criar. Queria um emprego porque precisava de um emprego e então a minha carreira tornou-se muito importante por motivos muito práticos: porque pude ajudar outras pessoas com as minhas capacidades e, mais importante, porque poderia dar aos meus filhos uma vida melhor.

MS: Na sua profissão os homens ganham o mesmo que uma mulher?

RB: Como consultora de imigração, o que determina o nosso salário são as taxas que cobramos, a inteligência, a competência e o quanto trabalhamos para ganhar, manter e atender os nossos clientes. Mas suspeito que os homens talvez estão mais determinados a ganhar mais e a cobrar preços mais elevados, enquanto as minhas colegas levam em consideração o histórico financeiro dos clientes e ajustam as taxas com base na compaixão. Mas esta é uma observação anedótica. Como Citizenship judge, todo os juízes, independentemente do género, tinham o mesmo salário.  No Governo, existem tabelas de pagamento que correspondem a anos de experiência e educação e os salários são determinados por um padrão objetivo e os aumentos anuais são baseados em critérios automáticos e objetivos. É o caso do Governo e de outros setores, como ensino, enfermagem, entre outros. Na minha experiência pessoal, descobri que trabalhei muito mais e realizei muito mais do que os meus predecessores homens com o mesmo emprego. Mas precisei de trabalhar muito mais para ganhar a credibilidade dos outros, o que pode ocorrer por uma série de razões complexas. Eles tinham características que eu não tinha: eu era muito mais jovem do que eles – na altura devia ter 35 anos – e a perceção era talvez a de que eu poderia agregar menos valor ao trabalho. Era mais baixa e a minha voz era mais fraca – um de meus predecessores tinha mais de 1 metro e 80 cm de altura, pesava 150 kg, tinha uma voz estrondosa e era fisicamente intimidante, então as pessoas ficavam atentas quando ele falava; por ser mais jovem, tive menos empregos impressionantes do que eles e isso afetou as perceções. Apesar disso, consegui chegar ao cargo, ganhei reconhecimento e tive oportunidades maravilhosas.

MS: Acha que as mulheres foram as mais sacrificadas durante a pandemia? (Perderam empregos, ficaram com horas reduzidas e viram a produtividade cair no teletrabalho porque tiveram que ficar a tomar conta dos filhos devido ao encerramento das creches)

RB: A pandemia foi difícil para todos. O tipo de trabalho que as mulheres fazem molda as implicações de género da pandemia, mas o efeito tem sido inconsistente. É verdade que, de certa forma, a pandemia atingiu as mulheres com mais força: as mulheres ainda arcam com a maior parte das responsabilidades de cuidar dos filhos, podem trabalhar a part-time e ter empregos menos flexíveis. Mas o fator mais importante é provavelmente a natureza do trabalho: mulheres e homens tendem a ocupar diferentes ocupações em economias maduras e emergentes: as mulheres podem estar desproporcionalmente representadas em setores mais afetados pela COVID-19. As mulheres trabalham no retalho, serviços, recreação e administração pública, setores que estão a sofrer. No entanto, em algumas áreas, como educação e saúde, a maioria das mulheres não foi afetada pela COVID-19. Mas, por outro lado, alguns setores, como a indústria de transformação, em que os homens são a grande maioria dos empregados, também foram gravemente afetados.

Joana Leal/MS

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