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Primeiros imigrantes portugueses casavam sobretudo entre si

Estudo

Quem conhece um pouco da comunidade portuguesa que se fixou em Toronto sabe que muitas histórias de amor surgiram nos clubes portugueses, nos célebres bailes que juntavam famílias de todas as regiões de Portugal. Muitos dos portugueses que emigraram para o Canadá nos anos 50, 60 e 70 casavam entre si, até porque existia algum preconceito dentro das famílias para ter um genro ou uma nora de outra cor.

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José Carlos Teixeira, geógrafo e professor da Universidade da Colúmbia Britânica. Crédito: DR.

Quem o diz é o geógrafo José Carlos Teixeira, professor da Universidade da Colúmbia Britânica, que explica que nas primeiras gerações de portugueses existia “uma certa resistência”, até porque a maioria dos imigrantes portugueses era originária de áreas rurais onde não existia tanta diversidade cultural na sua região como é característico das grandes áreas urbanas.

Mas motivos como a falta de domínio da língua inglesa e a uma fraca adaptação à sociedade canadiana também são fatores que contribuíam para uma baixa taxa de casamentos inter-raciais de portugueses com outros grupos étnico-raciais, sobretudo nos primeiros anos de imigração.

A conclusão do luso-canadiano é baseada em 40 anos de investigação em três províncias canadianas – Ontário, Quebec e Colúmbia Britânica- e não tem por base nenhum estudo académico e/ou estatísticas. As estatísticas desenvolvidas pelo Governo canadiano incluem os portugueses no grupo dos imigrantes europeus, onde estão também imigrantes oriundos da Irlanda, Escócia, Inglaterra, Itália, Roménia, Ucrânia, Polónia, isto para citar apenas alguns.

Mas se por um lado os portugueses evitavam misturar-se com pessoas de outra cor, os casamentos com pessoas de diferentes grupos étnicos já eram mais naturais. Um bom exemplo disso foram as uniões de portugueses com italianos, que começaram entre os anos 50 e 80 e que ainda hoje se mantêm. “Fomos sempre abertos a casamentos com outros grupos étnicos, de preferência brancos. Os portugueses tinham uma maior afinidade sociocultural e religiosa com os italianos – o catolicismo, o futebol, a gastronomia, a cultura de fazer o próprio vinho em casa, etc. -, tudo isso ajudava na aproximação das duas culturas”, conta José Carlos Teixeira ao Milénio Stadium.

 

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José Silva casou em 1872 com Lucy Kwatleematt. Crédito: DR.

 

O facto de os dois grupos étnicos viverem próximos também ajudou a que alguns casamentos acontecessem. “O Little Portugal e a Little Italy estavam um ao lado do outro, tanto em Toronto (Ontário), como em Montreal (Quebec) os portugueses eram vizinhos de bairro dos italianos. Os filhos frequentavam as mesmas escolas e os pais eram colegas de trabalho na construção, nas fábricas e nas limpezas, era assim sobretudo na primeira geração”, adiantou.

A grande mudança, na opinião do académico, acontece nos anos 70 e 80. Com a descolonização de África e com a implantação da democracia em Portugal, muitos portugueses que residiam em Portugal e nas antigas colónias emigram para o Canadá e “contribuem para um maior grau de aceitação/abertura em relação a casamentos com pessoas de cor e/ou de outras origens étnicas”.

As novas gerações, a segunda e a terceira, que já nasceram aqui, são por norma mais flexíveis na questão dos casamentos inter-raciais porque já não têm a barreira linguística e já está mais integrada na sociedade canadiana. “A segunda e a terceira geração são mais socializadas, têm um grau de instrução maior e estão por isso mais integradas no mosaico cultural canadiano. Dos contatos que mantenho com estudantes universitários de origem portuguesa a conclusão a que chego é que a cor e/ou a origem étnica é um assunto irrelevante na hora de decidir com quem casar. E ainda bem que assim é porque vivemos no século XXI e a diversidade cultural é considerada uma riqueza e não uma desvantagem ou algo que nos deva embaraçar”, explicou.

Embora alguns portugueses mostrem alguma resistência em relação ao casamento interracial, sobretudo os da primeira geração de imigrantes no Canadá, o caso de José Silva ou “Portuguese Joey”, como era mais conhecido, é um exemplo único de inclusão. “José Silva, que era natural do Pico, nos Açores, ao ser o primeiro europeu branco a casar com uma indígena na Colúmbia Britânica provou que nós temos valores únicos. As comunidades indígenas foram e continuam a ser muito discriminadas ao longo dos séculos, mas este português foi muito bem aceite pela comunidade indígena da época e conquistou um lugar especial na nossa história colectiva”, contou. 

Apesar do Canadá ser um dos países mais multiculturais do mundo, não significa que ainda não existam preconceitos nesta matéria. O investigador defende que a educação é o caminho para a inclusão social e cultural e não tem dúvidas de que os casamentos interraciais podem ser uma “excelente ponte” para acabar com o racismo, independentemente de ser relacionado com a cor, a origem étnica, a orientação religiosa e/ou sexual.

Em declarações ao nosso jornal José Carlos Teixeira lançou um repto: “Gostava que esta questão fosse mais estudada a nível académico e quem sabe se pelo próprio Governo para compreendermos melhor o impacto dos casamentos inter-raciais na construção da sociedade canadiana que se quer cada vez mais inclusiva, justa e igual”.

Joana Leal/MS

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