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Popularidade das teorias da conspiração disparou nos anos 60

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Alison Meek é professora associada do King’s University College, uma afiliada da University of Western localizada em London, Ontário. Meek leciona a disciplina de História e o seu foco de ensino e investigação incide sobre teorias da conspiração (TC) na história dos EUA. A investigadora tem um doutoramento em História Americana pela University of Toronto e garantiu ao Milénio Stadium que as TC começaram em 1800 e explicou que todas têm algo em comum – a exploração do medo. Por isso aprenda a separar informação de ficção e foque-se nos factos e nas evidências.

Na entrevista a investigadora faz referência à QAnon que também é conhecida por Q. Esta TC nasceu nos EUA no mundo virtual e espalhou-se rapidamente pela Europa, impulsionada sobretudo pela pandemia de COVID-19. A teoria idolatra Donald Trump e diz que o Presidente dos EUA vai fazer com que líderes democratas que raptam, abusam e violam crianças paguem contas com a justiça. Segundo a QAnon, existe uma rede de pedofilia adoradora de Satanás que é liderada por democratas poderosos que bebem o sangue das crianças para viverem para sempre. Hillary Clinton, Bill Gates, Tom Hanks e Oprah Winfrey são alguns dos democratas que segundo a bizarra teoria pertencem a esta rede. Na Europa, os grupos antissistema e anti-vacinas têm exibido cartazes da QAnon nas suas manifestações. As redes sociais funcionaram como uma espécie de incubadora para a QAnon. Em 2017 os tweets partilhados sobre esta TC correspondiam a cinco milhões, em 2020 o número aumentou para 12 milhões. Um estudo da IDS (Powering solutions to extremism and polarisation) intitulado “A génese da Teoria da Conspiração” e que se foca na QAnon diz que depois de analisar as redes sociais o Canadá é o terceiro país, depois dos EUA e do Reino Unido, onde a teoria é mais popular. Entre novembro de 2019 e junho de 2020 no Canadá foram partilhados mais de 296,000 tweets sobre o QAnon, mas o Facebook e o Instagram também são redes onde a QAnon é popular.

Em 2019, o FBI classificou a QAnon como uma ameaça terrorista doméstica e observou que as teorias da conspiração têm o potencial de encorajar grupos e pessoas extremistas para cometer atos criminosos ou violentos. Segundo o FBI esta teoria da conspiração está relacionada com os grupos anti-vacinas, as conspirações anti 5G, o antissemitismo e as movimentos anti-imigrantes. 

Milénio Stadium: As teorias de conspiração sempre existiram, mas escalaram com a pandemia de Covid-19. O que é que a História nos diz sobre estas teorias?

Alison Meek (AM): Nos EUA, as teorias da conspiração existem desde o início de 1800. Inicialmente, as teorias estavam focadas no medo de que os maçons assumissem o governo dos EUA, mas depois evoluíram para se tornarem focadas em assuntos mais religiosos (mórmones, católicos, judeus, etc.). Foi depois da Segunda Guerra Mundial e especialmente na década de 1960 com o assassinato de JFK (John F Kennedy), que as TC explodiram em amplitude e popularidade. Não surpreende que tenha sido nos anos 60 devido ao crescimento do sentimento antigovernamental, mas mais tarde, nos anos 90, com o aumento do acesso à internet, também se verificou um aumento. O que estamos a assistir hoje com a COVID-19 é uma combinação de medo do desconhecido e de uma doença assustadora, uma incerteza económica para muitas pessoas, muito tempo em casa e muito tempo online, que é uma conjuntura perfeita para fazer com que as teorias da conspiração aumentem. As TC fornecem um senso de comunidade aos crentes porque eles sentem que não estão sozinhos nas crenças. As TC também oferecem uma sensação de sentimento especial, a ideia de que descobriu um segredo que mais ninguém foi capaz de descobrir. As TC também oferecem uma sensação de conforto porque identificam pessoas sobre quem a culpa pode cair. Mas mesmo assim e ironicamente a maioria das teorias da conspiração são extremamente complicadas e complexas, veja-se o exemplo da QAnon.

MS: As TC são mais populares em alguns países ou em certos grupos demográficos?

AM: Nós vemos que as TC estão em todos os lugares. Os EUA têm a Primeira Emenda, que protege a liberdade de expressão e a imprensa (vagamente definida) da interferência do governo. A Primeira Emenda, no entanto, não o protege de ser banido do Twitter ou Facebook por espalhar mentiras ou ódio ou de um empregador ser demitido por embaraçar a empresa.

MS: Tal como aconteceu depois da Guerra Fria e depois do ataque às Torres Gémeas nos EUA, podemos afirmar que existem certos eventos, como guerras por exemplo, que contribuem para o desenvolvimento destas teorias?

AM: Suspeito que praticamente qualquer evento pode se prestar a uma TC. Com o 11 de Setembro e antes o Pearl Harbor, as TC foram relacionadas a americanos mais liberais que acreditam que os ataques foram falsos ou permitidos para que os EUA pudessem ir à guerra. E é importante lembrar que as TC são domínio tanto de liberais quanto de conservadores. As TC anti-vacinas, por exemplo, reúnem liberais e conservadores.

MS: As teorias da conspiração ainda continuam a afetar as campanhas eleitorais e a interferir nos resultados eleitorais.

AM: Com certeza, aliás acabámos de testemunhá-lo. Nas últimas eleições americanas, algumas pessoas eleitas acreditam abertamente e apoiam a teoria da conspiração QAnon. E o próprio Donald Trump impulsionou a TC Birther [o movimento defendia que Barack Obama não nasceu nos EUA] durante anos. Também é importante compreender que, embora algumas TC sejam inofensivas (por exemplo, a ida do Homem à Lua), outras são perigosas no mundo real. As TC anti-vacinas e que envolvem a COVID-19 estão a tornar-se crises de saúde pública. O FBI definiu as TC, como a QAnon, como uma ameaça terrorista doméstica, devido ao crescente nível de violência que está relacionado com as TC. Um homem apareceu numa pizzaria em Washington, DC (TC Pizzagate) com armas carregadas porque acreditava que existia uma rede de pedofilia ligada a Hillary Clinton (não existe nenhuma rede de pedófilos e o restaurante não tem nenhum porão secreto).

MS: Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazi, dizia que “se repetirmos uma mentira com frequência ela vai tornar-se verdade”. Concorda com esta afirmação?

AM: As TC não são verdadeiras, mas podem ser aceites como realidade por aqueles que querem acreditar nelas. Desmascarar as TC é particularmente difícil quando as pessoas não se interessam pelos factos. Quando não se importam com o contexto ou com a experiência. As TC nunca prevalecem num tribunal porque lá as evidências são necessárias. Alex Jones perdeu vários processos judiciais movidos pelas famílias das vítimas do massacre na escola Sandy Hook, em Connecticut. Jones defendia que o massacre foi uma encenação feita pelo governo e pelos familiares das vítimas. Ainda assim, é importante ao tentar confrontar os crentes de uma TC que entendamos que, embora alguns acreditem e promovam as TC porque isso lhes traz fama ou dinheiro (como no caso de Andrew Wakefield do movimento anti-vacinas), existem aqueles que caem na toca do coelho porque estão assustados, sobrecarregados com tantas informações conflituosas online ou porque confiaram em pessoas que não merecem a sua confiança. Os factos são importantes. O contexto importa. A evidência é importante.

Joana Leal/MS

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