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O dia em que teremos de fugir da Natureza

Há alguns anos atrás, e ainda hoje, vimo-nos assolados com notícias de refugiados a chegar à costa da Europa para fugir da guerra. Brevemente iremos assistir a uma nova vaga de refugiados. Desta vez não irão fugir da violência, mas sim da natureza e não existirão governos despóticos para culpar – a culpa recai sobre todos nós.

Penso que a esta altura já todos aceitamos como um facto irrefutável a ameaça das alterações climáticas. A utilização de combustíveis fósseis liberta CO2, sendo estes gases de efeito de estufa e ficando presentes na atmosfera, que conduzem ao aumento das temperaturas, o que leva ao degelo e consequentemente à subida do nível de água do mar que por sua vez induz à erosão da linha costeira nas zonas mais frágeis. Entre outras causas das alterações climáticas estão ainda a desflorestação, as queimadas e a indústria agrícola. Existe um consenso generalizado entre os cientistas sobre os efeitos que iremos experienciar, que difere sobretudo nas perspetivas mais ou menos otimistas se ainda vamos a tempo de remediar o que estragámos.

Este fenómeno, dentro de poucas décadas, poderá ter como consequência a imersão de cidades como Amesterdão, Tóquio, Cidade do México, Manila, Miami, Nova Iorque, Xangai, Aveiro, entre outras. E num futuro não assim tão distante, iremos assistir ao desaparecimento de ilhas inteiras, e com elas desaparecem nações, tradições, culturas, economias, biodiversidade e o que resta é apenas um povo, sem casa e sem identidade.

Segundo o Banco Mundial, prevê-se que até 2050 terão de ser deslocadas mais 143 milhões de pessoas, isto em apenas três áreas: África Subsaariana, Sul da Ásia e América Latina. Os países mais afetados já iniciaram processos para travar o avanço da água com a instalação de barreiras nas cidades costeiras. No caso das ilhas tem-se recorrido à consciencialização, na qual as Fiji têm sido o porta-voz de apelo à cooperação mundial. Os habitantes da vila de Vunidogoloa, que faziam parte das Fiji, viram as suas casas consumidas pela água e não lhes restou opção senão deslocarem-se.

A cinco metros acima do nível de água do mar, na Ilha de Tuvalu, uma das nações mais pobres e menos desenvolvidas do Oceano Pacífico, assim que o mar invadiu a terra, contaminando a água doce, o solo e diminuindo a sua produtividade, até os mais céticos se renderam às evidências das mudanças climáticas. Sem poder económico, o investimento em medidas de prevenção é impossível sem ajuda internacional. A Nova Zelândia concordou em garantir entrada através de uma quota anual de 75 cidadãos que ficarão com contrato de trabalho. Os Estados Unidos seguem as mesmas pisadas e irão dar aos cidadãos das Ilhas Marshall o direito de viver e trabalhar sem a obrigatoriedade de um visto. Já a Austrália escolheu não reconhecer este tipo de refugiados.

O governo de Kiribati implementou o programa “Migração com Dignidade”, com o intuito de criar uma força laboral especializada capaz de encontrar trabalho no estrangeiro. E ainda, em 2014, procederam à compra de 6,000 hectares de terra nas Fiji para garantir a sua segurança alimentar. Além disso, as Fiji comprometeram-se a acolhê-los caso seja necessário.

Neste momento, as Maldivas já investiram mais de 63 milhões para iniciar um projeto de construção de uma ilha artificial “Hulhumalé”, contudo a maioria das restantes ilhas não tem esta possibilidade. Os cientistas esperam ver Tuvalu a desaparecer em 50 anos e as Maldivas em 30, seguidas de outras ilhas vizinhas, afetando cerca de 9.2 milhões de pessoas no Oceano Pacífico.

Os refugiados devido às alterações climáticas são muito distintos dos restantes, porque se vêm obrigados a sair das suas casas devido aos efeitos severos das mudanças climatéricas, perdendo a sua comunidade, a sua identidade, a sua cultura, a sua cidadania e o seu poder de decisão.

O próprio conceito de Estado enfrenta um desafio. Hoje, considera-se um Estado aquele que possui uma população, é reconhecido internacionalmente e tem um território natural definido. Como é que um Estado que não tem terra garante a sua soberania? Deparamo-nos com problemas que não estão previstos na lei internacional. Estes cidadãos sem Estado ficarão à mercê de quem os acolhe, tanto no que diz respeito à sua integração, à sua segurança como ainda à atribuição de uma nova cidadania.

Atualmente, a Convenção para os Refugiados das Nações Unidas (1951) não prevê este tipo de refugiados o que causa uma falha na garantia da sua proteção. Como já vimos pela atual crise de refugiados, nem todos os Estados estão dispostos a colaborar. No entanto, este é um problema de todos, é inegável que teremos de encontrar soluções para a crise que vai surgir, porque ela vem, só não sabemos quando chega.

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