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José Carlos Teixeira: “Nós vivemos no melhor país do mundo”

José Carlos Teixeira, nasceu nos Açores, fez o bacharelato e mestrado em Montreal. A tese de mestrado teve como centro de investigação a comunidade portuguesa em Montreal e a tese de doutoramento (PhD), focou o desenvolvimento, crescimento e mobilidade residencial da comunidade portuguesa em Toronto. Passou, portanto, grande parte da sua vida a estudar o papel e o impacto dos emigrantes no Canadá. Pareceu-nos ser a pessoa certa para nos dizer o que marca e distingue este país. A sua visão é assumidamente baseada nos anos de estudo e investigação, mas também na experiência de muitos anos de contacto com outros países, outras realidades sociais e económicas que evidenciam ainda mais as diferenças entre o Canadá e resto do mundo.

Milénio Stadium: Nestes 152 anos de história do Canadá quais são para si os factos mais marcantes? O que é que, na sua opinião, marca a história deste país até hoje?
José Carlos Teixeira: Somos um país relativamente jovem, comparado com outros países, nomeadamente na Europa, por exemplo Portugal. Eu vou dar-lhe a minha opinião como académico e como homem que tem dedicado uma parte da sua vida a estudar o papel e o impacto dos imigrantes no Canadá. Houve vários aspetos, mas eu vou levar um pouco a sardinha à minha brasa. Eu cheguei ao Canadá apenas em 1978 e, por um lado, por isso, por outro por todas as leituras e investigações que fiz, posso dizer que acho que um dos aspetos que me chama a atenção neste país e que considero mais marcante da sua história foi a introdução da política de multiculturalismo com o nosso Pierre Trudeau (o pai do atual primeiro-ministro Justin Trudeau). Há outros aspetos que poderão ser invocados por outras pessoas, mas para mim este fator que tenho salientado em todas as comunicações que tenho apresentado pelo mundo sobre a comunidade portuguesa é muito importante. Tenho que realçar sempre o papel da introdução da política de multiculturalismo.

MS: Se tivesse de apresentar o Canadá a quem não conhece este país – acentuava então essa marca como uma das mais distintivas?
JCT: Exatamente! Para mim este é um ponto de reviravolta ou um aspeto na história do Canadá que transforma um país que era, praticamente, definido por dois grupos étnicos – os anglófonos e os francófonos. É realmente o Pierre Trudeau que, quando introduz a política de multiculturalismo nos fins dos anos 60, basicamente diz aos anglófonos e aos francófonos, “meus senhores, minhas senhoras, o Canadá é um país onde os imigrantes desempenharam e continuam a desempenhar um papel e continuarão a ter um impacto muito importante ao nível económico, cultural, social e político. Para mim, académico, e mais uma vez isto tem muito a ver com as minhas áreas de investigação, este é um ponto marcante na vida deste país. Por outras palavras esta política de multiculturalismo o que veio fazer foi também dar uma força aos imigrantes no sentido de dizer, “meus senhores, independentemente da vossa origem étnica, racial ou religiosa, independentemente do país de onde vieram, o Canadá encoraja-vos a conservarem a vossa língua, a vossa cultura, os vossos costumes etc., vocês são importantes. São uma componente importante deste mosaico, que é um mosaico cultural complexo, mas rico.” Portanto, para mim, a oficialização da política do multiculturalismo é um marco super importante na história deste país relativamente jovem. Sempre que faço estudos, primeiro sobre os portugueses e depois outros grupos imigrantes, sinto a necessidade de realçar, dar enfâse nesta política do multiculturalismo que nos diferencia de outros grandes países de todo o mundo. Aliás, a política do multiculturalismo foi depois importada por outros países como a Austrália. Há outros países que optaram mais pela política de assimilação, como é o caso dos Estados Unidos.

“…sinto-me canadiano, tendo como mátria Portugal e pátria de adoção o Canadá”

MS: Então, na sua opinião, é essa marca que distingue o Canadá do resto dos países?
JCT: Do resto do Mundo, ponto! Do resto do Mundo porque o Canadá foi o primeiro país a vir com esta ideia. Isto independentemente do sucesso da política do multiculturalismo, porque há académicos e não académicos que são contra esta política, dizendo que leva a uma guetização da sociedade, que não promove a integração. Eu acredito sinceramente na política do multiculturalismo e como português que nasceu nos Açores, que veio para cá com 18 anos e que já está aqui há 42 anos, sinto-me canadiano, tendo como mátria Portugal e pátria de adoção o Canadá, continuo a pensar que, realmente, esta política teve um impacto tremendo. E não é preciso ir para muito longe para provar isto – a cidade de Toronto é das mais multiculturais do mundo. Dados estatísticos apontam que 53% da população da cidade nasceu fora do Canadá, se formos para a cidade de Vancouver, uma outra cidade multicultural, as percentagens passarão os 40%. É este o país onde vivemos. Um país formado por gente de todo o mundo – diferentes raças, diferentes etnias, diferentes línguas e apesar de tudo, apesar de não termos um sistema perfeito, e eu que como Professor Catedrático viajo muito neste momento, vou a muitas conferências, continuo a pensar que eu vivo, nós vivemos no melhor país do mundo no que concerne a respeitar Direitos Humanos, a respeitar diversidade cultural, étnica e racial.

MS: Essa poderá ser uma das razões para as pessoas que vivem fora do Canadá, falarem sempre deste país como uma nação extraordinária… digamos que o Canadá tem muito boa reputação à escala global.
JCT: Sem dúvida. A reação das pessoas com quem me cruzo por todo o mundo, por onde vou participando ou proferindo as minhas conferências é sempre – Canada, great country! Great people! É de facto uma impressão muito, muito, muito positiva. Apesar de não sermos um país perfeito, continuamos a ser um país muito respeitado. Um país de imigrantes onde muita gente sonha e gostaria muito de viver neste país. Eu recebo pedidos de alunos de todo o mundo que gostariam de vir para o Canadá fazer o seu doutoramento. E quando eu pergunto – porquê o Canadá? Por que não os Estados Unidos? Por que não um país da Europa? Porque não Austrália, Nova Zelândia? É sempre a mesma história. Esta ideia de ser um país pacífico, acolhedor, um país de emigrantes onde as pessoas se sentem em casa, onde as pessoas não são discriminadas. Apesar de, repito, não sermos um país perfeito.

MS: Por fim, Prof. José Carlos Teixeira em relação, especificamente, à evolução da comunidade portuguesa residente no Canadá, que tão bem conhece e que tanto estudou, nós podemos dizer que a nossa comunidade deu passos ao longo destes anos para uma verdadeira integração ou ainda vive, digamos, num mundo à parte?
JCT: Levanta-me uma questão muito pertinente. É um tema que nos levaria para uma conversa muito longa. Uma comunidade que chega em 53 tem neste momento já quatro gerações a residir no Canadá. Assistimos ao longo dos anos à chegada de vagas de imigração com níveis de instrução muito distintos – os primeiros a chegar tinham graus de instrução baixos, mas a partir de 75 verificou-se uma entrada de imigrantes mais qualificados. Alguns com ensino universitário, mas de qualquer modo com um grau de instrução relativamente alto. Dizendo de outra maneira – o perfil sociodemográfico da imigração portuguesa para o Canadá antes de 75 era um e depois de 75 já era outro completamente diferente e isso reflete-se nos níveis de integração de uns e outros. O grau de instrução tanto pode funcionar como um retardador, como pode levar a uma integração muito mais rápida. Os portugueses que chegaram antes 75 tiveram uma integração muito mais lenta – não falavam inglês, levavam muito mais tempo para aprender a língua e muitos deles nem nunca chegaram a aprendê-la, havia uma muito maior guetização, viviam no Little Portugal e aí a integração foi muito mais lenta. A partir de 75 e até aos dias de hoje há outras vagas, muito mais instruídas, com um conhecimento, nem que seja básico, do inglês, que não vivem necessariamente da comunidade portuguesa, fazem trabalhos qualificados e têm uma integração completamente diferente da primeira vaga de imigração.
A tónica está, afinal, na educação. Conforme os níveis de educação a integração é mais ou menos plena. Há uma correlação positiva entre os níveis de instrução e a integração no país de acolhimento.

Madalena Balça

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