Temas de Capa

Humanos X Robôs

Os robôs do projeto Cambada medem 80cm de altura e pesam até 40Kg. Encontram-se na linha da frente da investigação de ponta, em áreas tão díspares como a visão artificial, fusão sensorial, controlo dinâmico, cooperação robótica ou Inteligência Artificial, entre outras. Bernardo Cunha, atual coordenador científico do projeto de futebol robótico Cambada, afirma que a robótica não é uma área científica.

Milénio Stadium: Falamos de robôs e de futebol, num país de futebol Explique-nos em que consiste, concretamente, o projeto “Cambada”
Bernardo Cunha: O projeto “Cambada” é um de vários que nós desenvolvemos e trabalhamos em termos de investigação e desenvolvimento no âmbito deste laboratório onde vocês estão. Este laboratório é conhecido por Iris (Inteligent Robotics and Inteligents Systems Lab) e enquadra-se também no âmbito de uma das unidades de investigação da unidade da Universidade de Aveiro, portanto a robótica aqui é a temática fundamental. O “Cambada”, mais especificamente, é um projecto muito acarinhado neste laboratório, até porque é talvez um dos mais antigos.

MS: Este futebol engloba muita tecnologia, a visão artificial, fusão sensorial, o controlo dinâmico dos robôs. Essa é uma evolução que está a ser estudada por vocês todos os dias?
BC.: É preciso explicar que há quem pense que a robótica é uma área científica mas não é. A robótica é uma área horizontal na qual se aplicam uma enormidade de áreas científicas. Nós se quisermos fazer robôs que possam jogar contra humanos, eles têm de ser construídos de forma a não magoar os humanos. Os nossos robôs jogam uns contra os outros e, no caso de baterem uns contra os outros, são resistentes. Embora que, todos os anos, a equipa campeã do mundo faz um jogo contra uma equipa de humanos, mas é um jogo em que há o cuidado de desacelerar os robôs para não haver pernas partidas e etc. Há coisas que são fundamentais, como os materiais, aspetos da versão sensorial, de mecânica, de eletrónica e de muitos níveis de comunicação, incluindo a comunicação sem fios – eles têm de comunicar entre si, de outra forma não é possível haver uma estratégia de equipa, naturalmente -, até às camadas ditas de mais alto nível de software que envolvem aprendizagem, fusão sensorial, estratégia e, portanto, tudo isto são áreas que cabem dentro de uma peça, o robô.

MS: E essas áreas um dia vão ser utilizadas para uso humano.
BC: Sim. Já estão a ser utilizadas na realidade e vão ser utilizadas cada vez mais e muitas vezes as pessoas nem se apercebem disso. Cada vez mais é difícil definir exatamente o que é que é um robô. Curiosamente, chamamos robô de cozinha a uma máquina que temos em cima de uma mesa, porquê? Porque ela tem um determinado tipo de inteligência artificial lá dentro. Uma máquina de lavar hoje em dia pode ser suficientemente inteligente para determinar que tipo de roupa tem lá dentro, como é que deve lavar para otimizar o consumo – é um robô. Carros que guiam sozinhos são robôs. Todo o conhecimento que desenvolvemos em robótica, na realidade, está inserido nessas várias componentes.

MS: Essa é a relação entre os robôs e os humanos. Como vê o futuro dessa relação?
BC: Essa é uma pergunta que se coloca muitas vezes e em particular surge muitas vezes o medo da robótica se virar contra os humanos. Eu julgo que o medo mais próximo do que esse é a robótica poder roubar emprego aos humanos. Já está a roubar, na verdade. A revolução que aconteceu quando os computadores se tornaram pessoais é, de alguma forma, semelhante àquilo que está a acontecer hoje com a robótica. Quem vir um filme qualquer dos anos 70/80 passado num dos escritórios em Nova Iorque vai ver umas centenas de dactilógrafas a dactilografar texto, hoje não existe isso. Nem as máquinas, nem essa profissão, naturalmente. Os computadores pessoais retiraram os acessos todos, hoje estão nos telemóveis no fundo, portanto, na realidade o que aconteceu é que houve uma evolução no trabalho das pessoas, houve trabalhos que deixaram de ser feitos por aquele conjunto de pessoas para serem substituídos por outras e é isso que acontece inevitavelmente. A robótica não é um processo instantâneo, não vai aparecer tudo cheio de robôs de um dia para o outro, eles vão aparecendo. Hoje temos aspiradores que nos aspiram a casa, já existem corta-relvas que fazem isso, os preços ainda são relativamente altos. Começam a aparecer soluções para, por exemplo, acompanhar pessoas que vivem sozinhas, de terceira idade ou com doenças e que precisam de monitorização constante, para situações de busca e salvamento em situações de catástrofe, enfim. E depois, é impossível esconder isso – há o outro lado deste tipo de aplicações: aplicações militares – é claro que os militares dirão que a robótica é utilizada para poupar os nossos soldados, pois… – e os soldados do outro lado? Não é?… É como tudo em ciência, não só na robótica. Aquilo que nós criamos e desenvolvemos pode ser utilizado para o bem e pode ser utilizado para o mal, é um problema de ética, fundamentalmente. Na robótica essa questão, inevitavelmente, coloca-se também.

MS: Como é que encara o facto da Arábia Saudita se ter tornado no primeiro país do mundo a reconhecer um robô como cidadão, desde outubro de 2017?
BC: Não lhe dou uma importância particular, confesso. Eu acho que isso é, provavelmente, uma manobra mais publicitária do que outra coisa, objetivamente. Mas o que é isso de Inteligência Artificial? Hoje em dia, debaixo desse chapéu cabem uma enormidade de coisas distintas: a capacidade de usar sistemas computacionais para aprender determinadas técnicas, determinadas potencialidades, capacidade de distinguir e classificar objectos, de manipular, etc. e nós chamamos a tudo isso, de uma forma geral, Inteligência Artificial. Se a IA algum dia dará o passo necessário para criar consciência, que é o que nos distingue claramente, é um ponto de interrogação enorme. Eu não sou capaz, obviamente, de responder a isso, estou convicto que eu, atendendo à idade que tenho, não estarei cá no dia em que isso acontecer. E se isso acontecer também não sei quais são as consequências em termos da humanidade, não faço ideia. Acho que isso hoje em dia é inevitável. Acho que é impossível travar. Os robôs irão lentamente entrar cada vez mais e mais nas nossas vidas, seja pessoal (doméstica), seja a nível dos nossos empregos, das nossas indústrias, dos ambientes onde nos divertimos… por aí fora. Isso eu julgo que é mais ou menos óbvio e cada vez mais nós os vamos encontrar por todo o lado. Mesmo em espaços culturais (museus), em hospitais e outros, haverá cada vez mais áreas onde os robôs vão surgindo.

Paulo Perdiz

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