Em passo lento, mas em frente
Olhando para trás, penso que 2019 se resume ao ano da contestação. Nos últimos anos, a minha fé na humanidade tem-se desvanecido, mas é reconfortante ver que ainda há quem lute pelos seus direitos. E 2019 foi isso mesmo, progresso. Progresso de um estado vegetativo em que aceitamos tudo o que nos é impingido e exigimos aquilo a que temos direito.
Janeiro foi preenchido com os protestos na Venezuela na sequência de uma crise presidencial e no Haiti com protestos anti-governo. Desde junho, Hong Kong tem lutado pela sua liberdade e direito à democracia. É importante relembrarmo-nos que além de sermos governados, acima de tudo somos nós que governamos.
Além do descontentamento da população geral, vimos ainda a insatisfação da mulher. Em janeiro, milhões de mulheres criaram, e com sucesso, um Womens Wall ao longo do Estado Kerala, na India, para reivindicarem o acesso ao templo Sabarimala. E a problemática dos direitos das mulheres não se põe em causa apenas em países em desenvolvimento. Cinco meses depois, na Suíça, as mulheres fizeram uma greve nacional por considerarem que o caminho para a igualdade tem sido feito lentamente. Ainda em junho, o Canadá reconheceu a gravidade do desaparecimento sem explicação de 1000 mulheres indígenas.
Foi também em junho que vimos mais uma vez o progresso no Japão, onde saiu vitorioso um movimento contra o uso obrigatório de salto alto no local de trabalho. E, em setembro, o aborto foi descriminalizado em New South Wales, Austrália. Finalmente estão a acabar as ideias perpetuadas de que o valor da mulher se revê na sua aparência ou na sua capacidade de se reproduzir. O nosso valor vai muito além de características físicas e o nosso papel não é em segundo plano. Contudo, em Portugal, 2019 foi também o ano com mais mortes de mulheres por violência doméstica, onde ainda vemos os agressores sair impunes ou com poucas mazelas. O progresso já feito não se esquece, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
Um bom resumo de 2019 seria a famosa frase “não há mal que nunca acabe, nem bem que dure para sempre”. Se por um lado, o mundo assistiu desolado aos incêndios na floresta tropical da Amazónia, por outro, essa mesma chama despertou a consciência ambiental a nível mundial. 2019, provavelmente o ano com mais protestos motivados pelo aquecimento global, desde as Fridays for Future à marcha, em Montreal, com mais de 500,000 pessoas, liderada por Trudeau e Greta Thunberg. No mundo, a greve contou com mais de quatro milhões de participantes. E segue mais um ano, em que no meio de tanta desgraça assistimos ao progresso, lento, mas firme.
Inês Carpinteiro
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