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Cultura Portuguesa – Qual o caminho?

Cultura Portuguesa qual o-canada-mileniostadiumMaria João Dodman, Presidente da Associação de Estudos Lusófonos e professora associada do Centro de Estudos Português e Luso-Brasileiro

Milénio Stadium: Se os clubes fecharem as portas quem é que vai dar continuidade à cultura portuguesa?

Maria João Dodman: Julgo que a cultura portuguesa já estava em risco antes da pandemia. Embora a cultura possa ser definida de várias formas, julgo que a pandemia expôs alguns problemas crónicos que já existiam na sociedade, em diferentes áreas, e os clubes são apenas mais um exemplo. Nos últimos anos já existiam problemas para garantir a continuidade dos clubes, as direções estão envelhecidas e os clubes são frequentados sobretudo por pessoas mais idosas. Na minha opinião acredito que existe um grupo de jovens que se calhar os clubes deviam considerar, mas isto requer que os mais idosos aceitem as ideias destes jovens e sejam mais abertos a mudanças. Lembro-me que aqui há uns anos me perguntaram como é que podiam fazer com que os jovens se interessassem mais pelos clubes comunitários e eu disse na altura que as atividades culturais tinham de ser atrativas para os jovens. Um jovem que nasce e cresce no Canadá não se identifica com certas celebrações que são anacrónicas.

A nossa comunidade celebra um Portugal que já não existe, que é o Portugal que conheciam antes de emigrarem para o Canadá. Mas esta realidade constata-se em todas as comunidades étnicas, não é específica da comunidade portuguesa. Estes jovens não pertencem ao Portugal dos anos 50 e 60 e por isso não têm nenhum interesse numa matança do porco ou num jantar de quatro horas de discursos enfadonhos na língua de Camões. Os jantares são demasiado tradicionalistas, antiquados, pouco democráticos. O enfoque continua a ser a religião católica e também há uma certa ideologia política que temos de ter, senão não temos lugar. Os luso-descendentes vivem entre vários mundos e alguns têm uma vida muito canadiana. Talvez a forma de chegar a estes jovens não seja através do português.  Julgo que podemos fazer mais programação em inglês porque a maioria domina melhor a língua inglesa do que a portuguesa.

A ponte para Portugal já não é através da língua, pode ser através das memórias emotivas de um avô ou de uma avó ou de um parceiro que fale português. A Luso-Can Tuna também é um bom exemplo de um grupo que se liga a Portugal através da música e não da língua porque alguns dos elementos nem falam português.

MS: Faz sentido criar uma Casa de Portugal que junte todas as regiões e os dois arquipélagos num único espaço?

MJD: Na minha perspetiva não faz sentido ser a Casa de Portugal, mas sim uma casa das comunidades emigrantes de países de língua portuguesa. Talvez há 50 anos fizesse sentido, mas hoje já não porque existe uma comunidade muito grande de origem brasileira, cabo-verdiana, etc.

Partindo do princípio de que é um projeto para durar talvez uma Casa Lusófona fizesse mais sentido. O novo Portugal é democrático onde homens e mulheres têm os mesmos direitos e deveres. É um Portugal que celebra a sua abertura à Europa, a novas formas de pensar.

Uma aposta verdadeiramente moderna seria uma associação que trabalhasse com as instituições de ensino superior, com as organizações culturais, com os governos de vários países. Uma casa aberta à modernidade seria uma casa que pudesse acolher as novas expressões da portugalidade e os novos tipos de conversa democrática, como por exemplo uma de uma nova geração de autoras que está a reescrever a história do colonialismo, como por exemplo a Isabel Figueiredo.

Uma Casa Lusófona só pode nascer se existir interesse e não sei se é o caso porque os nossos clubes têm sobrevivido à custa de muito trabalho de pessoas que em muitos casos não são reconhecidas. Estas pessoas adoram o seu país e quiseram ao longo destas décadas dar à comunidade. Por isso reconheço que tem de existir uma resistência porque desistir dos clubes é fechar a porta com aquele passado.

Os clubes tiveram um papel fundamental para unir a comunidade que hoje talvez já não faça muito sentido. Atualmente os novos imigrantes portugueses são poucos e já são qualificados. Entretanto os filhos e os netos dos imigrantes também já têm qualificações. Mas isto não quer dizer que todo esse trabalho desapareça e tenha sido em vão, estes valores podem ser transmitidos aos mais jovens.

MS: O Magellan Community Centre pode ser a localização ideal para esta casa?

MJD:  Um explorador português não é um marco de identificação que diga alguma coisa a uma comunidade imigrante de outro país que não seja Portugal. Quando falamos desta comunidade temos de ter em consideração um elemento que às vezes nos falta que é o impacto do colonialismo português nestas que são hoje comunidades de países de língua portuguesa. Estes países para além de terem muitas etnias, em muitos casos anteriores ao colonialismo português, têm uma relação densa com Portugal por causa do colonialismo e da escravidão. Nesse sentido acredito que uma casa lusófona pode tentar abrir-se a todas as expressões da lusofonia, portuguesas e não só. Por exemplo em Angola, que é um país onde se fala português, existem muitas línguas e muitas etnias. E temos de ter em consideração aquele passado e a riqueza destas etnias que também contribuem do seu modo para a evolução da nossa língua.

A Casa de Portugal pode ser um bocadinho controversa para uma comunidade angolana, moçambicana ou brasileira. Admito que no meio académico o termo não é consensual porque a palavra tem origem em Portugal. Mas acredito que a Casa Lusófona nos podia representar a todos, independentemente das tensões coloniais e históricas que ainda podem existir. Um bom exemplo para nos inspirar para a criação de uma Casa de Portugal poderá ser o Clube Português de Mississauga e julgo que grande parte do seu sucesso é porque em Mississauga não existe nenhum outro clube português. As pessoas tiveram que aceitar as suas diferenças e criou-se um clube onde se celebram todas as regiões do país.

MS: Este ano letivo o programa de português do departamento de línguas, literatura e linguística da Universidade de York teve mais matriculados?

MJD: Este ano a Faculdade de York, a maior da Universidade, teve uma quebra de 20% no número de alunos matriculados no primeiro ano. Como estamos online os alunos preferem tirar um ano de folga. E a quebra aconteceu também nos alunos internacionais. Há 10 anos 80% dos nossos alunos tinham descendência portuguesa, agora temos 50%. Mas muitos dos nossos alunos procuram-nos pelo espanhol porque têm mais acesso a oportunidades de trabalho na América do Sul. Mas algumas pessoas ainda têm uma ligação emotiva a Portugal, por exemplo uma das minhas alunas que se formou em dezembro quer seguir uma carreira em Portugal na área da música.


Cultura Portuguesa qual o-canada-mileniostadiumSuzanne da Cunha, Casa dos Açores

MS: Se os clubes fecharem as portas quem é que vai dar continuidade à cultura portuguesa?

Suzanne Cunha: A Casa dos Açores tem 35 anos de história e o nosso objetivo é continuar o nosso trabalho na comunidade. A pandemia obrigou-nos a fazer eventos mais pequenos e nestes casos a receita cai cerca de 75%.

A Casa dos Açores tem uma hipoteca e temos dois rendeiros, o restaurante Ilhas de Bruma e o Clube Amor da Pátria. Com a pandemia aderimos ao programa federal que paga até 50% da renda, os inquilinos continuam a pagar 25% e nós pagamos os outros 25%. As nossas prestações continuam todas em dia. O Amor da Pátria entretanto já cancelou todos os seus eventos até ao final do ano, mas continua a pagar aluguer. Agora a ideia é fazer eventos mais pequenos porque não podemos fazer o tradicional jantar e baile.

No passado domingo (27) tivemos 35 pessoas à tarde com almoço, bingo, um vídeo de touradas e correu bem. O espaço é grande, cada mesa tinha três ou quatro pessoas e todos os que estiveram presentes usaram máscara. Antes de se sentarem medimos a temperatura e as mesas estavam separadas para garantir a distância social.

Os eventos do sábado vão passar para domingo e assim damos a oportunidade às pessoas de virem até à Casa dos Açores, até porque as pessoas estão cansadas de estarem fechadas em casa. Temos feito sessões informativas online com pessoas de vários setores para preparar os pais para o regresso às aulas com a COVID-19. Mas ainda não discutimos com a direção se vamos fazer eventos online, até porque dificilmente vai dar receitas à casa.

MS: Faz sentido criar uma Casa de Portugal que junte todas as regiões e os dois arquipélagos num único espaço?

SC:  Nós somos a Casa dos Açores e existem muitas associações açorianas que não estão ligadas a nós. Mas também existem muitos clubes da mesma região de Portugal Continental que preferem ser independentes. Como presidente tenho feito um esforço para conseguir que o clube represente todas as ilhas e um exemplo disso é a nossa Semana Cultural. Mas tudo pode funcionar desde que exista colaboração e oportunidades para todas as regiões mostrarem a sua identidade.

Pode ser um bocadinho complicado por causa do bairrismo porque cada um puxa para o seu lado. Não sei quem pode liderar o processo, mas no meu caso, eu sou presidente da Casa dos Açores e nem açoriana sou porque já nasci no Canadá e os meus pais eram de ilhas diferentes. Na minha opinião julgo que a direção teria de incluir membros de todas as regiões, a nível de presidência não sei, mas é um cargo ambicioso.

MS: O Magellan Community Centre pode ser a localização ideal para esta casa?

SC: Não sei se é o lugar certo. Julgo que a ideia poderá ser discutida num Comité com vários presidentes dos clubes que estiverem interessados.


Frank Alvarez, Comendador da Ordem de Mérito

MS: Se os clubes fecharem as portas quem é que vai dar continuidade à cultura portuguesa?

Frank Alvarez: A comunidade luso-canadiana tem a necessidade de garantir o futuro e julgo que existem pessoas na comunidade com a capacidade para fazer com que a nossa cultura continue em Toronto e na província de Ontário. As pessoas que podem liderar este processo são empresários com talento e vontade para fazer as coisas acontecerem. A nossa comunidade está envelhecida e antes da pandemia já perdemos pessoas que eram importantes para contribuir para esta continuidade da nossa cultura. Algumas das empresas da nossa comunidade estão a enfrentar dificuldades económicas e os clubes também perderam a sua fonte de receitas. Se os clubes não se juntarem e unirem forças podem desaparecer. Não quero citar nenhum clube em concreto, mas sei que alguns têm despesas mensais de $10.000. Quem pode liderar esta criação da Casa de Portugal são os nossos empresários, mas não sei se será possível juntar todos os clubes numa única casa.

MS: Faz sentido criar uma Casa de Portugal que junte todas as regiões e os dois arquipélagos num único espaço?

FA: A Casa de Portugal é um sonho antigo que remonta aos anos 70, mas talvez nos últimos 10 anos tenha sido abordado de uma forma mais séria e sustentada. Nessa altura defendeu-se a criação de uma casa que representasse todos os clubes de Ontário onde se pudessem fazer semanas culturais de qualidade em vez de bailinhos e promover em simultâneo todas as regiões e arquipélagos.

Mas não é fácil reunir as pessoas certas e tornar o sonho realidade e uma ou duas pessoas não são suficientes. Mas tenho esperança de que um dia ainda venha a acontecer e acho que a comunidade está pronta para ter uma Casa de Portugal. Para já, com a pandemia, creio que os clubes grandes com mais estabilidade financeira talvez pudessem emprestar as suas salas aos clubes mais pequenos.

A maioria das empresas está a tentar adaptar-se através da realidade virtual, mas no caso da angariação de fundos é difícil encaixar receitas com um evento online e um bom exemplo dessa dificuldade é a Volta Luso promovida pela Luso Canadian Charitable Society, que este ano juntou apenas $5.0000. O número não chega para fazer face às necessidades desta instituição sem fins lucrativos. Julgo que se os clubes seguirem o mesmo modelo vai ser difícil sobreviver com estas receitas.

Não sei se a Federação de Empresários e Profissionais Luso-Canadianos (FPCBP) e a Aliança dos Clubes e Associações Portuguesas do Ontário (ACAPO) poderão ter aqui um papel importante para apoiar os clubes e as empresas que atravessam mais dificuldades. A Casa de Portugal teria de envolver toda a comunidade e os vários clubes e empresas.

MS: O Magellan Community Centre pode ser a localização ideal para esta casa?

FA: Primeiro temos que aguardar pelo projeto porque com uma pandemia não é fácil angariar dinheiro. O Magellan Community Centre é um exemplo do dinamismo da nossa comunidade que vai colmatar uma lacuna antiga que é a existência de um lar de idosos digno para os nossos seniores. Mas também não posso deixar de referir que a Câmara Municipal de Toronto e a vice-presidente Ana Bailão tiveram um papel fundamental porque cederam o terreno a custo zero e oferecem uma isenção de taxas durante 50 anos.

A Lansdowne Avenue é uma área privilegiada, mas este projeto tal como uma Casa de Portugal terá de ser um projeto que envolva a comunidade. Na minha opinião fazia sentido o Magellan ser o ponto de encontro da comunidade numa Casa de Portugal. Mas a casa teria de ter capacidade para espetáculos, concertos, seria uma espécie de extensão da Magellan. A obra estava projetada para arrancar na primavera de 2021, mas dificilmente vai acontecer por causa da COVID-19. Se calhar 20% ou 30% das empresas da comunidade portuguesa já não voltam a abrir, até porque alguns já estavam com dificuldades.


Carlos Sousa, Casa do Alentejo

MS: Se os clubes fecharem as portas quem é que vai dar continuidade à cultura portuguesa?

Carlos Sousa: Estou ligado à Casa do Alentejo e à ACAPO e as duas têm o mesmo problema que é falta de sangue novo. A ACAPO está sem direção há mais de dois anos e a Casa do Alentejo desde que acabou com os grupos, em 2009, não tem jovens envolvidos nas direções. Felizmente temos rendeiros e com esse dinheiro a casa é quase autossustentável. Na semana passada reunimos para eleger uma nova direção e não surgiu nenhuma lista nova. Acabei por continuar até março do próximo ano. Há duas semanas lançámos um livro e esta sexta-feira (2) temos uma noite de fados com a Teresa Santos e o Manuel da Silva com 50 pessoas, mas já está completamente esgotada.

MS: Faz sentido criar uma Casa de Portugal que junte todas as regiões e os dois arquipélagos num único espaço?

CS: Julgo que a Casa de Portugal é a melhor solução, mas com a carolice é muito difícil, sobretudo para os fundadores dos clubes. Já auscultei alguns sócios sobre essa ideia e os mais velhos não concordam. A maioria diz que seria um grande desgosto deixar de ter um clube com o nome da Casa do Alentejo e perder o legado da casa.

Pessoalmente não vejo outra saída, uma Casa de Portugal com um cantinho dedicado a todas as regiões tal como existe no Brasil ou na Venezuela. Mas não sei se será um projeto a curto prazo, se calhar vai acontecer nos próximos 10 ou 15 anos. Tem de ser um projeto bem feito de forma a ninguém ser esquecido.

Quem está em direções sabe que é difícil encontrar novos voluntários e com a COVID-19 ficou ainda mais difícil sobreviver porque temos de reduzir o número de pessoas nos eventos e muitos não saem de casa porque têm medo de ficar doentes. Os outros grupos étnicos que chegaram a Toronto antes dos portugueses – os croatas, os ucranianos e os italianos – têm uma ou duas associações e nós temos 36 clubes que fazem parte da ACAPO. E isto é só em Ontário! Acho que são clubes a mais para a dimensão da nossa comunidade. A ACAPO podia reunir um Comité e apresentar o projeto, mas a Aliança nem direção tem.

MS: O Magellan Community Centre pode ser a localização ideal para esta casa?

CS: Não sei se faz sentido, mas teria de ser completamente independente do Magellan. E teria de ser um espaço com uma sala com capacidade para receber espetáculos e a direção teria de ser rotativa para que cada região tivesse a sua oportunidade de ser representada. Senão vão ser sempre os mesmos e isso pode desmotivar ou até criar conflitos. Mas para abrir um clube ou uma Casa de Portugal para promover a cultura portuguesa temos de ter pessoas interessadas em participar no programa de atividades culturais. Sem público nada disto faz sentido.

Joana Leal/MS

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