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Canadá está a tornar-se mais tolerante?

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Tamari Kitossa – Sociólogo e professor na Brock University, St Catharines. Crédito: DR.

As famílias canadianas estão a mudar e ca da vez existem mais famílias que resultam da mistura de diferentes grupos étnicos. O tema ainda continua a ser tabu, mas uma coisa é certa: as famílias do futuro vão continuar a ser diferentes das que tínhamos até aqui e por isso é de esperar que o mosaico cultural canadiano seja cada vez mais diverso. Embora o casamento interracial nunca tenha sido proibido no Canadá, tal como chegou a ser nos EUA até 1967, a maioria dos casamentos ainda continua a ser entre pessoas do mesmo grupo étnico.

No Canadá em 2011 as uniões de facto entre pessoas de grupos étnicos diferentes representavam apenas 4.6%, qualquer coisa como cerca de 360.000 casais. Os números são da Statistics Canada e são os mais recentes que foram disponibilizados pela agência nacional de estatísticas. Em 1991 estes casais eram apenas 2.6% da população e em 2001, cerca de 3.1%.

Em declarações ao Milénio Stadium, o sociólogo Tamaru Kitossa, professor na Brock University em St. Catherines e especialista na matéria argumenta que este ligeiro aumento é apenas simbólico. “Alguns podem dizer que o Canadá se está a tornar mais tolerante. Outros podem dizer que o multiculturalismo está a resultar para produzir menos antagonismo racial. Outros também podem defender que o Canadá está prestes a tornar-se uma sociedade menos raceless and colour-blind. Mas porquê dizer tudo isto quando as First Nations, 5% da população, corresponde a quase 24% dos presos federais enquanto os africo-canadianos que correspondem a 3% da população, são mais de 10% dos presos federais”, explica.

A agência nacional de estatísticas conclui também que existem determinados grupos que são mais propensos a uniões interraciais. Em primeiro lugar surgem os japoneses, seguidos logo depois dos latinos e dos negros. Mas duas das maiores minorias do Canadá- a população de origem chinesa e sul-asiática- tinham o menor número de casais que se tinham misturado com outros grupos raciais.

Para Kitossa, que sublinha que a raça é uma construção social e política e que os ibéricos (portugueses e espanhóis), italianos, gregos e outros europeus de Leste só foram considerados brancos no Canadá “nos últimos 50 a 100 anos”, e de acordo com o Employment Equity Act, só existem dois grupos raciais: aborígenes e minorias, enquanto que os census canadianos incluem uma gama mais ampla de grupos raciais. O sociólogo sustenta ainda que “pessoas de diferentes cores se têm vindo a misturar desde o início dos tempos” e que por isso a questão já não deveria ter relevância em 2021.

Questionado pelo nosso jornal se nestes casos uma das culturas se sobrepõe à outra, o especialista defende que todos os modelos são válidos, até porque mesmo que uma criança seja educada com duas culturas, no final pode até identificar-se mais com uma delas. “Na minha opinião julgo que a forma como um casal inter-racial educa os seus filhos não interessa a ninguém”, rematou. 

Para a Statistics Canada as uniões inter-raciais refletem um aspeto da diversidade das famílias que pode variar de acordo com características geracionais de um dos elementos do casal, com o local de nascimento e com uma determinada minoria étnica. O facto de morar numa área rural ou urbana também parece interferir nas uniões inter-raciais. Cerca de 5% destes casais moravam em áreas urbanas, enquanto que apenas 1.4% vivia em áreas rurais. De todas as cidades canadianas que a agência comparou em 2011, Vancouver tinha a percentagem mais elevada de casais inter-raciais, cerca de 8.5%. O tempo de permanência no país também é um dado importante porque enquanto que apenas 12% dos casais que tinha um membro da primeira geração dessa minoria étnica se misturava, a percentagem subiu para 51% nos casais inter-raciais com elementos da segunda geração de canadianos.

Sobre esta questão, Kitossa faz ainda uma outra leitura. “Pessoas com mais rendimentos têm mais probabilidades de virem a ter uniões e de, mas isto não pode ser muito generalizado ao ponto de assumirmos que a classe média é mais tolerante. Pode significar apenas que quando as pessoas se conhecem na universidade partilham os mesmos valores. As pessoas tendem a casar com quem vive próximo delas a nível geográfico e acho que isto é ainda mais válido na era da internet”, justificou.

Uma união mista significa que um dos membros do casal pertence a uma minoria e o outro não, ou também pode significar que os dois elementos do casal pertencem a minorias diferentes. Segundo o Instituto for Social and Economia Research, em 2000 a Inglaterra tinha a percentagem mais elevada do mundo ao nível das relações interraciais.

Uma sondagem da Ipsos conduzida em 2019 revelou que 15% dos canadianos nunca casariam com alguém de uma raça diferente. A sondagem mostrou ainda que no grupo de participantes que tinha esta opinião, cerca de 20% tinha o ensino secundário e 19% residia na província de Ontário. A sondagem ouviu a opinião de cerca de 1000 pessoas e atrás de Ontário surgia o Quebec com cerca de 15%.

Em sentido oposto, na Colúmbia Britânica a percentagem de pessoas que não quer ter um casamento inter-raciais, comparativamente com Ontário, era apenas de 9%. Na sondagem conduzida pela Ipsos cerca de 6% das pessoas não tem nenhum problema em casar com alguém de outra raça. Em 2019 o grupo que enfrentava mais racismo eram os muçulmanos (59%), seguidos dos negros (31%) e dos indígenas [First Nations] (27%).

Algumas pessoas são mais motivadas para casarem alguém da mesma origem, algo que pode ser influenciado pela religião, tradições culturais, língua e/ou gastronomia. Um aspeto relevante na questão dos casamentos inter-raciais é o preconceito que existe, às vezes dentro da própria família e noutros casos na própria sociedade em geral.

Uma sondagem de 2009 do Angus Reid Institute encontrou taxas surpreendentemente baixas de aceitação para diferenças religiosas. Ainda assim a tolerância aumenta quando as duas pessoas acabam por casar. Nesta sondagem apenas 28% das pessoas que foram ouvidas disseram que tinham uma opinião positiva sobre o islamismo, enquanto que 39% disse que aceitaria que um dos seus filhos casasse um muçulmano. A sondagem sugere que a religião continua a ser a questão mais fraturante na sociedade canadiana, mais do que a cor ou o grupo étnico. Mas, por outro lado, a sondagem também aponta que ainda existe esperança para que o amor fale mais alto do que o preconceito.

Joana Leal/MS

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