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“Agora ainda estou com mais medo do que no início da pandemia”

Agora ainda estou com mais medo-toronto-mileniostadium
DR/MS

Maria Oliveira é uma dos vários PSW (Personal Support Worker) que tem como profissão ser exatamente o que o nome indica: um apoio a todos aqueles que precisam. 

Por norma são as pessoas mais velhas que dependem destes profissionais, mas também há as mais novas que, infelizmente por algum tipo de patologia, precisam de ajuda nas rotinas (para nós básicas) do dia a dia.

Dito isto, é fácil perceber que nenhum paciente que tenha ajuda diária de um PSW pode prescindir desse serviço e por isso estes profissionais têm tido um papel fundamental na vida das milhares de pessoas dependentes – mesmo que estejamos em plena pandemia. A ajuda continua a ser necessária, não é opcional. Como tal, todos os PSW têm estado na linha da frente a prestar todos os cuidados a estas pessoas, independentemente das circunstâncias em que vivemos.

Há 10 meses falámos com Maria Oliveira para percebermos como estavam estes profissionais a lidar com o início duma nova realidade. Agora, depois deste tempo de trabalho constante, quisemos saber qual é o ponto da situação. Como se sentem? Está mais fácil ou há mais dificuldade provocada pelo descuido duma sociedade cansada de estar sob medidas de prevenção? Maria Oliveira dá-nos a opinião de alguém que põe diariamente a sua saúde em risco, pelos outros.

Milénio Stadium: Há cerca de 10 meses tive oportunidade de conversar consigo e na altura disse-me que tinha medo do que lhe pudesse acontecer, pelo facto de andar de casa em casa e lidar com muita gente. Dez meses depois, a rotina do dia a dia já lhe atenuou o medo?

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Maria Oliveira, PSW. Crédito: DR.

Maria Oliveira: Eu acho que agora ainda estou com mais medo do que no início da pandemia. Cada vez há mais casos, cada vez vejo mais pessoas a ficar fartas das medidas de prevenção e por isso não levam isto tão a sério quanto deviam. E agora com esta segunda vaga e esta nova variante, que aparentemente se transmite mais facilmente, ainda fico mais preocupada. Para além disso, antes não ouvia falar de tantos casos de pessoas com a minha profissão. 

MS: Estamos em plena segunda vaga da pandemia. Acha que estamos todos mais preparados para a enfrentar? Ou pelo contrário estamos mais desleixados?

MO: Eu acho que estamos mais desleixados. Não digo todos, mas grande parte. Essa é a grande questão: umas pessoas fazem o seu melhor, o máximo que conseguem, enquanto que outras simplesmente desistiram. Ouço muito dizerem “ah temos que continuar a nossa vida” e eu acho que sim, temos que continuar a nossa vida, mas a cumprir as medidas que nos são impostas, a respeitar o que nos é pedido. No entanto há outro problema, na minha perspetiva: há orientações diferentes de várias partes… Enquanto que os profissionais de saúde nos dão determinadas indicações, há casos de supervisores (nos locais de trabalho) a dizerem-nos para fazer algo diferente… Gerir isso torna-se complicado. Por exemplo, segundo o que é dito pelos profissionais de saúde, quando vamos fazer um teste (por termos tido contacto, direto ou não, com alguém infetado ou porque temos sintomas) temos que ficar em casa de quarentena pelo menos até vir o resultado negativo… Mas há supervisores que nos dizem que não temos que esperar pelo resultado, basta que trabalhemos devidamente protegidos. 

MS: Como tem gerido a relação trabalho/vida familiar atendendo ao facto de ser uma das pessoas que corre mais risco de ser contaminada e, portanto, contaminar outros?

MO: É difícil. Ando sempre com medo. Tenho muito medo de contaminar o meu marido ou até o meu marido a mim, porque ele também trabalha. Vejo constantemente se tenho febre… De manhã, de tarde e à noite. Estou sempre atenta de forma a detetar algum sintoma que me possa surgir. Evito mesmo sair de casa e evito estar próximo dos meus filhos e netos, se estiver com eles é mesmo à distância e com máscara. 

MS: Globalmente como se sente? Mais cansada do que seria normal?

MO: Sinto-me mais cansada e nem é propriamente pelo trabalho, é mais pelo stress. A preocupação constante é o que me cansa mais. Deito-me a pensar nisto, levanto-me a pensar nisto… Sempre com medo. E atenção, tenho medo de ficar infetada claro, tenho praticamente 60 anos, mas sinceramente o que me preocupa ainda mais é ficar infetada e sem saber infetar algum dos meus pacientes, que são velhinhos, e eles morrerem… Vou sentir-me culpada. Tenho muito medo. Ou mesmo de transmitir aos meus filhos ou netos… Tenho mesmo receio.

MS: Sente que os PSW têm sido devidamente apoiados e reconhecidos pelo trabalho que estão a desenvolver como Frontline Workers?

MO: Sim e não. Estamos a ser “apoiados”, mas podíamos ter muito mais apoio. Do governo e da empresa também. O Governo paga-nos três dólares a mais por cada hora, porque nos considera essenciais para o dia a dia destes pacientes e porque reconhecem o risco que diariamente corremos. Claro que esse dinheiro extra nos dá jeito, nos motiva mais, mas não é suficiente para o risco. Nós estamos a ser muito mal pagos, o Governo sabe disso e por isso nos deu esse dinheiro extra, mas mesmo assim… Continuamos sem os devidos apoios para o risco que corremos na profissão que temos. 

Catarina Balça/MS

• Leia a entrevista feita pela Camões TV com Manuel DaCosta e Raymond Cho, MPP for Scarborough-North e Ministro dos idosos em Ontario, clique aqui. 

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