Temas de Capa

Agir para mudar

Estamos em 2020. Eu sei que não estou a dar-vos nenhuma novidade – todos sabemos que estamos no início da segunda década do século XXI. Todos sabemos que estamos numa era de fulgurante evolução tecnológica, de comunicação rápida, de informação pormenorizada, ao minuto, sobre o que se passa nos locais mais recônditos do mundo…

Vivemos num mundo cada vez mais pequeno, graças à mente humana que foi capaz, ao longo dos tempos, de o aproximar. Temos feito um trabalho extraordinário nessa área, sem dúvida. Temos à distância de um clique o conhecimento, a possibilidade de sabermos cada vez mais. Não há hoje justificação para a ignorância. Principalmente, a geração que já cresceu neste ambiente tão informatizado, tão dependente de telemóveis ligados a redes de dados móveis para estarem sempre conectados com o mundo, devia ser a mais informada, a mais conhecedora e, por isso, mais tolerante. Porque a sabedoria é o motor da tolerância, da aceitação da diferença.

Então porque não aprendemos? Porque continuamos a “formar” gente que quando chega ao estado adulto ainda permanece com a mente presa nos séculos escuros dos tempos da escravidão e abuso de outros seres humanos? Porque continuamos a assistir ao crescimento de ideais racistas e discriminatórios? Não esperem que vos dê respostas. Não tenho capacidade para responder a perguntas que já não deviam fazer sentido há muitos anos. O que posso é dar-vos dados e contar-vos pedaços de histórias de vida real para juntos refletirmos, mas preparem-se para o choque, porque são relativos a Portugal – sim o país e o povo que se afirma, recorrentemente, antirracista.

Comecemos pelo sistema judiciário – um em cada 73 cidadãos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa com mais de 16 anos em Portugal está preso. É uma proporção 10 vezes maior do que a que existe para os cidadãos portugueses — onde um em cada 736 cidadãos na mesma faixa etária está detido. Passemos para a história de um português, com origem senegalesa e sotaque “africano”, que pretendia arrendar casa. Com todas as condições para o fazer – emprego estável na Assembleia da República, fiador – e, em todos os contactos que fazia, a casa nunca estava disponível. No momento a seguir um jornalista do jornal Público fazia os telefonemas para os mesmos senhorios e as casas estavam todas prontas a serem visitadas para eventual arrendamento. Depois há as incontáveis histórias de discriminação nas salas de aula – as crianças negras colocadas no fundo da sala, a nota alta que segundo a professora só pode ter sido “copianço”, a crueldade das outras crianças (não repreendida) que não brincam com “pretos”. Por fim, apenas vou falar um pouco (havia tanto para dizer…) do racismo no mundo do trabalho para vos dizer que em 10 anos, 20% das queixas à Comissão contra a Discriminação Racial foram sobre situações laborais. Em circunstâncias iguais no emprego, os estudos mostram que há preferência pelos brancos. E as situações são inúmeras – a mulher que só foi chamada a entrevista de emprego por não saberem que era negra; a progressão na carreira que não acontece da mesma forma apenas porque a cor da pele é diferente o que indicia que os efeitos dos preconceitos não se notam apenas nos processos de seleção, mas em diversas interações sociais – muitas vezes os negros, os indianos ou chineses sentem que têm que trabalhar mais do que os outros só pela circunstância de terem uma cor de pele diferente. Em Portugal ainda é comum que os negros estejam no “back office”, nas fábricas, nas cozinhas, nos supermercados…

Este é um quadro que poderá chocar ainda muitos que, não se revendo nesta posição de “branco dominador”, nem se apercebem de uma realidade que, infelizmente, é sentida diariamente por milhares de portugueses ou residentes em Portugal. Sim, ainda há racismo em Portugal. Não tão violento como noutros pontos do mundo, mas não podemos ignorar esta evidência. Temos que, todos juntos, trabalhar a necessária mudança de mentalidades.

Nos últimos dias há uma frase que não me sai da cabeça – “deixem-me respirar”. Penso que tenho feito tão pouco para evitar que falte o ar a todas as vítimas de atitudes racistas. Penalizo-me por isso. E prometo a mim mesma que vou mudar. Vou pesquisar, informar-me, para tentar responder à pergunta que me assaltou a mente quando comecei a escrever este artigo – há forma de cumprir o meu papel na sociedade, enquanto jornalista, e escrever o choque, a indignação, a revolta…?

Tem de haver. É urgente que haja.

Madalena Balça/MS

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