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A Páscoa portuguesa em Toronto

Folar de Trás-os-Montes

Segundo reza a história, a Páscoa é a festa cristã mais antiga de sempre. Precedida por um período de jejum de 40 dias, é uma época de excessos alimentares. Na mesa dos portugueses não podem faltar cabrito, borrego, leitão ou peru, dependendo da região do país. O folar está para a Páscoa como o Bolo Rei está para o Natal. Mais recentemente surgiram os ovos de chocolate e as amêndoas que fazem as delícias das crianças.

E os portugueses que emigram, como é que vivem esta tradição longe de Portugal? Em Toronto encontramos todas estas iguarias e algumas pastelarias seguem receitas tradicionais – é o caso da Delícia Bakery que está localizada em Etobicoke, no 2864 no Lake Shore Boulevard West.

A proprietária da Delicia Bakery, Ana Cristina Coelho - Créditos: Cristina Rita
A proprietária da Delicia Bakery, Ana Cristina Coelho

Ana Cristina Coelho, proprietária do espaço, que está aberto desde 2013, explicou ao Milénio Stadium que existem poucas casas que fazem o folar típico de Trás-os-Montes. “Quando vim para o Canadá tinha cá uma irmã que era pasteleira e acabei por aprender com ela esta arte. Depois trabalhei em várias padarias portuguesas até que abri o meu próprio negócio. O meu marido é de Trás-os-Montes e a minha sogra é que me deu a receita do folar de Valpaços, que cá pouca gente faz”, informou.

A especialista garante que a receita é simples e deliciosa. “Leva ovos, farinha, água, fermento, azeite, manteiga e várias carnes defumadas. Gosto de colocar entremeada, presunto, salpicão, chouriço e prefiro trabalhar com empresas portuguesas porque os produtos são mais saborosos e têm mais qualidade”, avançou.

A Delícia Bakery só faz folares de Trás-os-Montes por encomenda porque o produto é caro. “Um folar de 1kg pode custar entre $25 e $30 e só faço na altura da Páscoa. Comecei a fazer há cerca de dois anos e recebo cerca de 30 encomendas. O folar é cozido de forma tradicional, em barro, e antes da massa entrar no forno gosto de benzê-la e digo sempre – Deus te acrescente, Deus te alevede, nós a comer e tu a crescer, tudo isto Deus pode fazer”, adiantou.

Os clientes portugueses são sobretudo de Trás-os-Montes, mas os canadianos também gostam desta iguaria. “Eu corto o folar e tenho à disposição do público para eles poderem provar. E os canadianos já compram, eles dizem que é muito saboroso. Uma fornada deve demorar quase três horas a fazer e o folar aguenta entre cinco a seis dias fechado num saco. Se quiserem também podem congelar”, disse.

A origem dos folares remonta ao século XV e foi introduzida pelos cristãos-novos que tinham que esconder a carne de porco para não sofrerem perseguições religiosas. Como a religião hebraica proibia o consumo desta carne, inicialmente o recheio era feito à base de carnes de aves, coelho e vaca. O folar virou moda e hoje é um dos elementos gastronómicos mais comuns de Trás-os-Montes, ao ponto de em 2017 a União Europeia ter atribuído ao folar de Valpaços (Vila Real) a designação de IGP (Indicação Geográfica Protegida).


Pão-de-ló e torta de amêndoa

Para os que gostam do folar mais tradicional, sem carnes, a Doce Nata, que surgiu em 2018 e está localizada em Stoney Creek, pode ser uma boa opção. Aqui também encontra o pão-de-ló à moda do Minho, a torta de amêndoa e amêndoas e ovos de chocolate da D’almo. Esta marca portuguesa surgiu em 1975 em Santarém e desde então que segue uma receita artesanal de confeitaria.

O proprietário da Doce Nata, Sérgio Trocado - Créditos: Cristina Rita
O proprietário da Doce Nata, Sérgio Trocado

Sérgio Trocado, proprietário da Doce Nata, disse ao Milénio Stadium que o segredo de um bom folar são sobretudo os ingredientes. “Os ingredientes genéricos de um folar tradicional são farinha, açúcar, fermento, ovos e manteiga. É essencial termos uma boa matéria-prima e algum conhecimento da arte da profissão. Temos em vários tamanhos e em diferentes formas – tradicional, meia-lua e em rosca”, justificou.

A Doce Nata é conhecida pelos célebres pastéis de nata que já deram origem a uma pequena inovação. “O pastel de nata é o nosso best seller, por semana devemos vender cerca de 1500. É preciso tempo e paciência para trabalhar a massa folhada que tem de ficar crocante. Primeiro fizemos a nata com nutella e agora juntamos o caramelo com um toque de sal. A ideia foi da minha mulher e os clientes adoraram”, adiantou.

Natural de Vila do Conde, Trocado faz na sua pastelaria algumas iguarias típicas do norte de Portugal, como é o caso do pão-de-ló à moda do Minho e da torta de amêndoa. “O nosso pão-de-ló leva ovos, açúcar e farinha e é cozido em barro. É uma sobremesa que faz parte das mesas da região do Norte na Páscoa, tal como a torta de amêndoa. A nossa torta é preparada com ovos moles, pão-de-ló e amêndoa torrada ou crua. É sempre melhor encomendar com antecedência porque assim o produto está sempre fresco”, revelou.

Na área de Stoney Creek mais de 90% da população residente tem origem na Europa. Segundo as estatísticas de 2001, 55% dos imigrantes nasceram em Inglaterra e Irlanda e 21% na Croácia, Polónia, Sérvia e Ucrânia. Os portugueses e os italianos também existem em grande número em Hamilton e todos parecem gostar da pastelaria portuguesa. “Cá os produtos são diferentes de Portugal e isso altera o sabor e a consistência. Mas regra geral os clientes gostam e não são apenas os portugueses”, informou.

Trocado está há 11 anos no Canadá, mas lembra-se bem da Páscoa em Portugal. “Na Quaresma não comíamos carne e na Sexta-feira Santa fazíamos jejum. No domingo beijávamos a cruz e depois jogávamos à pela, um jogo tradicional da nossa região. Depois íamos a casa dos padrinhos e trazíamos uma rosca de pão-de-ló e amêndoas. Na Páscoa tínhamos sempre pão-de-ló e torta de amêndoa, aqui no Canadá também”, recordou.


Cabrito, borrego, peru e rosbife

Liliana Oliveira cozinha desde os 15 anos e aprendeu quase tudo com a mãe. “Depois na George Brown aperfeiçoei a técnica (risos)”, confessou ao nosso jornal. Hoje é a chef do Vila Verde, uma churrasqueira com duas localizações em Toronto, na Dundas Street West e na Weston Road e que tem um público bastante diversificado.
A Vila Verde tem serviço de catering durante todo o ano, inclusive na Páscoa. “Preparamos refeições diárias para hospitais, escolas e bancos. Nesta altura eles encomendam peru e frango assado, mas na sexta-feira Santa e no sábado muitos dos nossos clientes almoçam cá”, disse.

Churrasqueira Vila Verde
Churrasqueira Vila Verde
Churrasqueira Vila Verde
Churrasqueira Vila Verde
Liliana Oliveira, chef da Churrasqueira Vila Verde - Créditos: Cristina Rita
Liliana Oliveira, chef da Churrasqueira Vila Verde

Na Páscoa a churrasqueira faz cabrito, borrego, leitão, peru e até rosbife, sobretudo para os canadianos. Sem querer partilhar segredos, a chef divulgou os principais ingredientes de cada um dos pratos e, independentemente da sua escolha, o melhor é encomendar com antecedência. “O cabrito ideal tem de ter três ou quatro meses para ser tenro e mais saudável. Ele é marinado durante dois dias em água e limão e depois vai a cozer ao forno numa assadeira de barro. Acompanhamos com batata nova e temperamos a carne com alho, alecrim, louro, azeite, brandy, vinho branco e sal da casa, que é uma mistura de várias especiarias”, adiantou.

Em relação ao borrego o processo é semelhante, só que a marinada é feita com água e laranja e a idade do cabrito deverá rondar os seis meses. A maioria dos clientes compra ao quilo e na Páscoa são preparadas várias dezenas de cabritos e borregos nas duas localizações.

Os canadianos preferem rosbife e peru, sendo que o segredo deste último é o recheio. “O peru é marinado, tal como as outras carnes, e a base leva vários ingredientes, inclusive a massa de pimentão que é muito utilizada nos Açores. Depois esta base é passada e vertida por cima do peru. O recheio leva cinco ingredientes e o peru também vai ao forno em barro. Na altura da Ação de Graças devemos preparar mais de 40 perus. Os portugueses gostam de tudo, mas os canadianos adoram peru e rosbife”, disse.

Região das Beiras come leitão na Páscoa

Na Beira Litoral, antes dos doces, come-se leitão assado, uma tradição que alguns portugueses seguem em Toronto e que o Vila Verde também prepara para os clientes. “Devemos ter cerca de 20 encomendas de leitão e aqui o segredo é o molho. Os clientes escolhem o tamanho e acompanha com batata Pála-Pála, os portugueses e os polacos adoram”, contou.

Em Portugal, o leitão é uma das principais atrações gastronómicas da Mealhada e é lá que se concentra o maior número de restaurantes de leitão de todo o país.

Joana Leal

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