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A minha terra é Portugal!

“A minha terra é Portugal, nascido na ilha da Madeira”. Esta foi a frase que ficou a ecoar mais dentro de mim, depois da conversa com João Belo, 87 anos, português, que em 1953 chegou ao Canadá.

MS Vulcania - 1947-1961 - Barco italiano que transportou muitos portugueses até ao Pier 21, em Halifax, a 2 de junho de 1953
MS Vulcania – 1947-1961 – Barco italiano que transportou muitos portugueses até ao Pier 21, em Halifax, a 2 de junho de 1953

No próximo domingo, dia 2 de junho, no High Park, os Pioneiros serão recordados e homenageados de forma solene. E que justa é essa homenagem. Afinal, foi a coragem e determinação destes homens e mulheres que abriu caminho para que a comunidade portuguesa tenha hoje a força e o prestígio que tem neste país que a acolheu. Emigraram numa altura em que, como muito bem sublinhou o extremamente lúcido João Belo, o Canadá não era o que é hoje. Numa altura em que as comunicações não tinham ainda tornado o mundo mais pequeno, em que chegar ao Canadá significava, por exemplo, sair da Madeira, de barco, no dia 24 de maio e aportar em Halifax no dia 2 de junho, numa altura em que muitos dos que emigravam não sabiam uma palavra de inglês, a decisão de emigrar (sair do seu país natal) tinha um peso diferente. Nesta edição do Milénio Stadium tentamos perceber quem somos hoje no mundo, de que forma sentimos a portugalidade e ainda evidenciamos como os mais velhos têm sido fundamentais (e vão continuar a ser, tenho a certeza) na passagem do testemunho da nossa herança cultural.

Começamos com parte da história de vida do Senhor João. Que afinal representa a história de tantos e tantas que têm em comum esta forma de nos espicaçar o orgulho das nossas origens. Do nosso país. E tal como ele, que todos nós, mais novos ou mais velhos, digamos bem alto “a minha terra é Portugal!”.

Milénio Stadium: Senhor João Belo, quando chegou ao Canadá?
João Belo: Cheguei em 53, saí no dia 24 de maio.

MS: Porque veio? Podia ter escolhido outro país qualquer, porque escolheu o Canadá?
JB: Bem, temos que compreender uma coisa. Eu vejo muitas pessoas a dizer mal da minha terra, mas o Canadá não era melhor. Nós viemos para fazer outra vida melhor, mas quando chegámos aqui, o Canadá não era o que está hoje e Portugal também não é o que era antigamente. As nações todas mudaram.

MS: Veio de barco e chegou a Halifax, como foi o momento da chegada?
JB: Exatamente, viemos de barco. Chegámos aqui em junho. A 2 de junho. Depois levaram-me para o Quebeque (a mim e a mais alguns…) e lá trabalhei num “farm” sete meses e quatro dias. Hoje em dia um rapaz com 21 anos é quase uma criança, mas nessa altura eu já era um homem. E vi coisas que… agora penso, como é que eu com 21 anos deixei o meu querido pai e a minha querida mãe? Mas é a tal coisa… a ideia era emigrar para fazer outra vida melhor e para ajudar também o meu pai e a minha mãe. Graças a Deus fiz tudo isso. Mas quando cheguei a Toronto estive três dias sem comer. Foi o Sr. António Gomes que me matou a fome. Não tinha um “penny” na algibeira. Ele viu-me na Augusta e disse-me “porque estás a chorar?”, e eu não conseguia falar com os nervos. E ele tornou a perguntar “recebeste alguma carta da Madeira?” e aí eu respondi “não. Eu estou aqui há três dias sem comer. E sem dinheiro.” Ele arranjou-me trabalho num “mushroom farm”. E a minha vida mudou. Até hoje, graças a Deus. Foi como da noite para o dia. Fiz outra vida, linda.”

MS: Mas quando trabalhou na primeira quinta no Quebeque foi tratado quase como escravo, foi isso?
JB: Exatamente! Mas, Senhora, o que é que eu podia fazer? Eu não podia caminhar para Portugal porque não tinha dinheiro. Por outro lado, o meu pai não tinha dinheiro. Quem emprestou dinheiro ao meu pai para eu vir foi um cunhado. Como é que o meu pai ia pagar ao meu cunhado? Morria aqui, mas não ia para trás.

MS: Entretanto o Sr. fez aqui toda a sua vida. Teve aqui os seus filhos, netos… nunca pensou, depois de melhorar a sua vida, voltar para a sua ilha da Madeira?
JB: Senhora… eu tenho duas filhas e quatro netos. Estou com 87 anos. Para onde é que eu vou? Com 87 anos? O que é que vou fazer lá na Madeira, agora? Eu que gostava tanto daquela terra.

MS: Agora esta já é a sua terra, não é? O Canadá já é a sua terra.
JB: É a tal coisa, ninguém me diga mal da minha ilha. Quem disser mal da sua terra diz mal do seu pai. Eu nunca fiz isso porque o primeiro dinheiro que arranjei foi para cuidar da casa do meu pai e pagar as dívidas que ele tinha. Daí para cá o meu pai viveu como eu vivo aqui no Canadá – tinha o seu dinheirinho, não havia problemas.

MS: Nós estamos a entrar agora no mês de junho. O mês das comemorações do Dia de Portugal. Como é que o Sr. João Belo vive este dia aqui no Canadá?
JB: Eu gosto das Paradas. É uma alegria. A pessoa não pode estar sempre em casa. Também temos que nos distrair, não é verdade? Faz tudo parte da vida. Não costumo ir na Parada. Já fui ao High Park à homenagem aos pioneiros. Já fui à St. Clair àquilo dos antigos, o museu (Galeria dos Pioneiros), já fui à homenagem a Camões na College e já fui ver a Parada. Tem que haver estas coisas. Nem só de pão vive o Homem.

MS: Sr. João diga-me uma coisa, os seus netos falam português consigo?
JB: Alguns falam, outros não, mas compreendem a gente a falar. Mas sabe, isto também vai de cada um… tenho uma neta que fala bem português e o irmão não se importa em saber. Os meus outros netos uma compreende bem e o irmão também não se importa.

MS: Mas o Sr. sempre falou português com as suas filhas?
JB: Também não sabia falar outra língua (risos)… ai Senhora, eu nunca aprendi o inglês. Ao tempo que estou aqui no Canadá, dava para ser advogado e não aprendi uma palavra de inglês. E como eu não compreendo inglês tive sempre as minhas filhas que me ajudaram. Eu digo sempre que sou mais rico do que eu mereço. Os meus netos e as minhas filhas todos os dias me telefonam. Eu não quero mais. Não preciso de mais riqueza. Só preciso do pão de cada dia. O dinheiro não é tudo. Eu costumo dizer que sou o homem mais milionário aqui de roda. Da forma como me sinto, sou o homem mais rico daqui.

Madalena Balça

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