Reflexões sobre a epidemia
Nestes tempos de recolhimento, sendo eu reformada e dispondo de tudo quanto necessito para viver uma vida ativa, onde não cabe o tédio, nunca esqueço que faço parte de uma minoria privilegiada.
Entre as muitas mensagens que tenho recebido de amigos, fiquei particularmente grata por um documentário e dois artigos publicados no jornal Público, que me deram azo a uma reflexão sobre a pandemia. Um artigo, da autoria de Graça Castanheiro, O PANGOLIM E NÓS, tocou-me especialmente porque adoro animais. Tem sido a China, e pela segunda vez neste milénio, a causadora de dois coronavírus, devido ao contacto demasiado próximo de multidões com animais selvagens vivos nos mercados, vários deles em via de extinção. Cito a autora: “O negócio da caça furtiva de pangolins rende milhões de dólares, resultantes do abate e captura de toneladas de animais por ano (…). Nos mercados de animais selvagens vivos, misturam-se de forma caótica seres capturados em ecossistemas muito diferentes entre si, o que, somado ao stress e baixo nível imunitário dos animais, cria o ambiente certo para a transmissão de vírus intraespécies. (…)”
Em resposta à crise da covid-19, o Governo chinês emitiu uma Proibição Abrangente do Comércio Ilegal de Animais que proíbe todo o comércio e consumo de animais selvagens que não sejam aquáticos mas não a produção ou a captura de animais selvagens para fins medicinais, comercialização de peles ou investigação.
Outro artigo, da autoria de Isabel Salema, OS ECOS DA GRIPE DE 1918 NÃO PARAM DE CRESCER, fala-nos da gripe pneumónica ou espanhola, que “Deverá ter surgido em março entre os soldados de Camp Funston, um campo de treino do Exército norte-americano no Kansas — a hipótese atualmente mais consensual sobre a origem da pneumónica”. Os soldados foram para a Europa ajudar no esforço da Primeira Grande Guerra, tendo a epidemia depois dado a volta ao continente europeu.
“Na primavera de 1919, altura em que o vírus se apagava, um terço da população mundial tinha sido infetada e, pelo menos, 50 milhões de pessoas tinham morrido.” Ou seja, a acrescentar aos 10 milhões que haviam perecido na guerra. Em Portugal, estima-se que a gripe tenha provocado “136 mil mortos num país com seis milhões de habitantes, uma das mortalidades mais elevadas da Europa”, não só pelo contágio como pela pobreza e a insalubridade que grassavam no país e o baixo número de médicos. Em 1918, assistiu-se em Portugal também a surtos epidémicos de varíola, febre tifóide, tifo exantemático e disenteria.
Ambas as gripes causadas por vírus afetam as vias respiratórias, degeneram em pneumonia, podem ser mortais, e espalham-se através de gotículas provenientes da tosse ou dos espirros. Ricardo Jorge, diretor-geral da Saúde na época, defendia o que recomendava o Royal College of Physicians: cama, dieta, tisanas e médico juntamente com o isolamento dos contagiados e não cumprimentar pessoas com as mãos ou dar beijos. “O isolamento social é uma técnica clássica milenar de lidar com as pandemias”. Mas, enquanto nas cidades americanas o isolamento se fez desde cedo, em Portugal não foi possível devido à desmobilização dos soldados, à falta de médicos e fraco poder de comunicação dentro de Portugal. Ao contrário, o Portugal de hoje está a lidar razoavelmente bem com o vírus.
O isolamento a que nos obriga este novo vírus, dá-nos espaço para a reflexão e torna-nos solidários com os que, há um século, sofreram o pandemónio da pandemia. Não podemos, no entanto, deixar de ver o lado positivo dos eventos, nem de pôr de lado os pequenos prazeres das nossas rotinas. Ultimamente, dei em usar bâton e perfume em casa.
Ilda Januario/MS
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