Portugal

Reflexões sobre a epidemia

Nestes tempos de recolhimento, sendo eu reformada e dispondo de tudo quanto necessito para viver uma vida ativa, onde não cabe o tédio, nunca esqueço que faço parte de uma minoria privilegiada.

Um casal numa rua de Londres durante a gripe da pneumónica, onde as mortes chegaram às 4500 por semana em Outubro de 1918. Foto publicada no Público de 27 de março.

Entre as muitas mensagens que tenho recebido de amigos, fiquei particularmente grata por um documentário e dois artigos publicados no jornal Público, que me deram azo a uma reflexão sobre a pandemia. Um artigo, da autoria de Graça Castanheiro, O PANGOLIM E NÓS, tocou-me especialmente porque adoro animais. Tem sido a China, e pela segunda vez neste milénio, a causadora de dois coronavírus, devido ao contacto demasiado próximo de multidões com animais selvagens vivos nos mercados, vários deles em via de extinção. Cito a autora: “O negócio da caça furtiva de pangolins rende milhões de dólares, resultantes do abate e captura de toneladas de animais por ano (…). Nos mercados de animais selvagens vivos, misturam-se de forma caótica seres capturados em ecossistemas muito diferentes entre si, o que, somado ao stress e baixo nível imunitário dos animais, cria o ambiente certo para a transmissão de vírus intraespécies. (…)”

Em resposta à crise da covid-19, o Governo chinês emitiu uma Proibição Abrangente do Comércio Ilegal de Animais que proíbe todo o comércio e consumo de animais selvagens que não sejam aquáticos mas não a produção ou a captura de animais selvagens para fins medicinais, comercialização de peles ou investigação. 

Outro artigo, da autoria de Isabel Salema, OS ECOS DA GRIPE DE 1918 NÃO PARAM DE CRESCER, fala-nos da gripe pneumónica ou espanhola, que “Deverá ter surgido em março entre os soldados de Camp Funston, um campo de treino do Exército norte-americano no Kansas — a hipótese atualmente mais consensual sobre a origem da pneumónica”. Os soldados foram para a Europa ajudar no esforço da Primeira Grande Guerra, tendo a epidemia depois dado a volta ao continente europeu.

“Na primavera de 1919, altura em que o vírus se apagava, um terço da população mundial tinha sido infetada e, pelo menos, 50 milhões de pessoas tinham morrido.” Ou seja, a acrescentar aos 10 milhões que haviam perecido na guerra. Em Portugal, estima-se que a gripe tenha provocado “136 mil mortos num país com seis milhões de habitantes, uma das mortalidades mais elevadas da Europa”, não só pelo contágio como pela pobreza e a insalubridade que grassavam no país e o baixo número de médicos. Em 1918, assistiu-se em Portugal também a surtos epidémicos de varíola, febre tifóide, tifo exantemático e disenteria.

Ambas as gripes causadas por vírus afetam as vias respiratórias, degeneram em pneumonia, podem ser mortais, e espalham-se através de gotículas provenientes da tosse ou dos espirros.  Ricardo Jorge, diretor-geral da Saúde na época, defendia o que recomendava o Royal College of Physicians: cama, dieta, tisanas e médico juntamente com o isolamento dos contagiados e não cumprimentar pessoas com as mãos ou dar beijos. “O isolamento social é uma técnica clássica milenar de lidar com as pandemias”. Mas, enquanto nas cidades americanas o isolamento se fez desde cedo, em Portugal não foi possível devido à desmobilização dos soldados, à falta de médicos e fraco poder de comunicação dentro de Portugal. Ao contrário, o Portugal de hoje está a lidar razoavelmente bem com o vírus.

O isolamento a que nos obriga este novo vírus, dá-nos espaço para a reflexão e torna-nos solidários com os que, há um século, sofreram o pandemónio da pandemia. Não podemos, no entanto, deixar de ver o lado positivo dos eventos, nem de pôr de lado os pequenos prazeres das nossas rotinas. Ultimamente, dei em usar bâton e perfume em casa.

Ilda Januario/MS

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