Portugal

“Tinha prometido ao meu pai o ouro!”

Foi no Algarve que se assinalou a efeméride. No dia 21 de agosto de 2008, Portugal conquistava a medalha de ouro no triplo salto, nos Jogos Olímpicos de Pequim.

Com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, Nelson Évora realizou um treino público e no final deu uma entrevista exclusiva ao Milénio Stadium.

Há dez anos, no dia 21 de agosto, em Pequim o dia acordou chuvoso. Chegou a trovejar. Nelson Évora temeu o pior. Já tinha visto, ao longo dos anos, muitos atletas sairem lesionados de grandes competições por causa da chuva. Achava que a chuva e os bons resultados no triplo salto não combinavam. A memória do tempo meteorológico, que o tempo não apaga, de um dos dias mais importantes da história de vida do mais consistente e duradouro campeão português. Foi por aqui que começou a nossa conversa…

Milénio Stadium – Há dez anos o dia não estava assim, cheio de sol e calor? Chovia a potes. E isso o Nelson achava que não combinava com vitória?

Nelson Évora – Eu achava que não, porque sempre que eu competia à chuva e ao frio as provas não me corriam de feição, mas há dias especiais, há dias diferentes e temos que fazer tudo por tudo. Até contrariar o tempo que é uma coisa que nós não controlamos. E foi isso que eu fiz. Pus na minha cabeça… tinha mais do que motivações para fazê-lo. Tinha um pai doente em casa e tinha-lhe prometido trazer o ouro. E tinha uma nação que esperava muitas medalhas e eu quis representar da melhor forma a nossa nação. Por isso digo que tinha super razões para meter na cabeça que ia vencer e acho que todos os portugueses recordam esse dia de uma forma especial.

M.S. – Quando diz “pus na cabeça…” o que evidencia é que o corpo é importante, sem dúvida, as pernas são importantes, mas a cabeça, a preparação psicológica é fundamental, não é verdade?

  1. E. – Sem dúvida! Sem dúvida! Foi um ano em que me preparei muito, como é óbvio. Todos os atletas se preparam muito fisicamente, mas mais do que isso foi um ano em que tive que fazer uma preparação mental para estar bem naquele dia, não acusar a preparação dos Jogos Olímpicos. E foi uma preparação progressiva. Ao longo de muitos meses. Até chegar àquele dia e estar num momento de concentração e quase transe perfeito para me abstrair de tudo e fazer aquilo que tinha que fazer.
  2. S. – O ambiente de estádio é perturbador? É por isso que os níveis de concentração são tão importantes?
  3. E. – Tudo tem que ser treinado. Aí é que está! Não podemos estar muito excitados, não podemos estar muito tranquilos, não podemos permitir que qualquer coisa nos desconcentre. É essa a preparação que temos que fazer, de forma a que estejamos dentro da nossa paz, super motivados. E um dos segredos nesses momentos é não mostrarmos o “jogo” que temos. A vida preparou-me também, a vida preparou-me para estar, naquele momento, naquela forma e trazer a medalha de ouro. Desde muito novo eu sempre gostei de momentos de pressão, sempre sonhei com títulos olímpicos. Era fã daquele que é hoje o meu treinador, um verdadeiro ídolo para mim – Ivan Pedroso, um extraordinário atleta, nove vezes campeão do mundo e também campeão olímpico –, essa era a minha motivação e a minha paixão era o desporto.

M.S. – Fala da preparação para o momento da vitória, mas há preparação que nos ajude nos momentos mais difíceis? Por exemplo, em 2012 viveu um ano particularmente difícil. Depois de várias lesões teve uma que parecia estava a terminar consigo. Que preparação se deve fazer para enfrentar esses momentos?

N.E. – A única preparação é termos pilares. Esses pilares têm que ser as pessoas positivas, pessoas que acreditam sempre que podemos ultrapassar seja o que for. São os amigos, família e profissionais que estão junto de nós e que se tornam nossos amigos. Hoje em dia nem os vejo como meus companheiros de trabalho a quem devo parte do meu sucesso, mas vejo como meus amigos porque foram pessoas que estiveram, de uma forma incansável, lá para mim, com tanta força de vontade de me ajudar e a passarem-me tanta energia, como foi o caso do meu fisioterapeuta e do meu médico (Ricardo Paulino e Ricardo Antunes) e ainda o cirurgião (Craveiro Lopes). Ter pessoas que estejam por detrás assim é fundamental, porque o mais fácil é desistirmos e eles não me deixaram baixar os braços. Mais do que aquilo que conseguimos fazer, que foi dar a volta a essas lesões todas, o que ficou foi a amizade.

  1. S. – O Sr. Presidente da República disse há pouco que o Nelson é um exemplo para todos os portugueses. Sente esse peso de cada vez que veste o equipamento nacional?
  2. E.– Eu acho que sentimos mais o peso no início da nossa carreira. É quando realmente temos a noção daquilo que representa, da sua importância. Aí sim sentia o peso da responsabilidade, mas como sempre tive pessoas muito boas perto de mim e que me davam os melhores conselhos, a começar pelos meus pais que me educaram muito bem, sempre tive a noção de que tudo aquilo que fazemos serve de exemplo. Tudo. Do bom e do mau. E sempre tive muita atenção ao que digo, o que faço e como represento essa camisola que visto nas grandes competições. Depois de algum tempo… já não é um peso é uma honra poder vestir essa camisola. E para mim o porquê de me superar nos grandes campeonatos e trazer tantas medalhas é porque tenho muita honra em vestir a camisola de Portugal e não considerar a vitória como algo pessoal, mas como uma representação de uma nação.
  3. S. – Com esta sua última conquista – campeão europeu de ar livre – acabou por demonstrar que, ao contrário daquilo que alguns vaticinavam, o Nelson Évora está muito longe de estar acabado. As críticas estimularam-no?
  4. E. – Como eu disse há pouco, acho que temos que ter ao nosso lado pessoas positivas. E são essas que devemos valorizar e ouvir. Não devemos ligar aos que apenas têm coisas negativas para dizer. Vai haver sempre pessoas negativas. Acho que não devemos viver obcecados com elas e aquilo que dizem ou dar-lhes importância. Devemos sim preocuparmo-nos em fazer sempre o nosso melhor. E assim ficamos com a consciência tranquila – fizemos o melhor que sabíamos. Por isso, a questão dos outros não acreditarem, talvez quando estava a sair das lesões, no início da recuperação, talvez me tenha afetado, mas mais tarde não. A verdade é que não penso nisso. Claro que eu quero sempre demonstrar do que sou capaz. Faz parte do espírito de pessoa ambiciosa que sou. Querer mais e mais e mais… é a nossa natureza enquanto seres humanos – queremos sempre mais. No desporto isto é bom. Querer continuar a ganhar medalhas, saltar cada vez mais longe. Por isso faço o melhor que posso. O melhor que sei fazer. E tenho a consciência tranquila.

“Nós, povo português, somos fortes!”

Se me perguntassem há dez anos, se esperava ganhar todos estes títulos, talvez dissesse que não. Mas a verdade é que sempre lutei por todos eles com muita motivação, com muito empenho. Mesmo depois de tantas “quedas” uma das minhas motivações foi sempre provar que nós, povo português, somos fortes por natureza. Mesmo quando caímos, levantamo-nos. Eu acho que esse é o valor do desporto – darmos exemplos e motivar pessoas muito para além daquilo que possamos pensar.

  1. S. – Há ainda este ano mais duas provas importantes…
  2. E. – Sim, tenho a final da Liga de Diamante. Uma prova importante para saltar e fazer bons resultados, arriscar um pouco mais… e depois tenho a Copa do Mundo, onde vou estar a representar um continente inteiro – a Europa, naturalmente – e é um privilégio.
  3. S. – A presença nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 será um objetivo?
  4. E. – É um objetivo! Tóquio é um objetivo! Todos estes resultados que eu tenho conseguido, tem sido resultados de um plano a quatro anos. É um ciclo e a verdade é que nestes dois anos foram 4 competições internacionais com 4 medalhas. Por isso, tudo indica que estamos a fazer um muito bom trabalho. Agora é continuar a acreditar e trabalhar da melhor forma para poder chegar a Tóquio super forte.

 

PROPONHO QUE APAREÇAM ESTAS DECLARAÇÕES DO PRESIDENTE E DO SECRETÁRIO DE ESTADO DO DESPORTO EM CAIXAS

“Ele é o melhor dos melhores!”

Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República

“Quando se fala em Portugal, em qualquer ponto do mundo, sabe-se quem é o Nelson Évora. E quando nós cá dentro e nós lá fora, portugueses, queremos dar um de alguns exemplos de excelência, falamos do Nelson Évora. Porque ele é um campeão. E ser um campeão significa, nos momentos cruciais, ser o melhor. Ele é o melhor dos melhores. Há muitos muito bons. Ele tem sido, sistematicamente, o melhor dos muito bons. Portanto, tem sido excelente. Não ganhou uma vez, ganhou muitas vezes tudo o que havia para ganhar. E as vitórias dele duram há mais de uma década. Por isso tem ainda mais mérito, porque é excelente, muitas vezes excelente e durante muito tempo. Quer dizer que é consistente. Não foi um acaso. Foi ganhando, ultrapassando momentos melhores e piores, continuando sempre a ganhar. E ganha quando muitos já não esperavam que ele ganhasse mais. Isto ainda é mais difícil. Mas foi ótimo, porque isso irritou-o, isso picou-o. Quando muitos diziam, vamos fazer a homenagem de fim de carreira ao Nelson Évora – já deviamos ter feito – ele disse, “qual fim?”. “

João Paulo Rebelo

Secretário de Estado da Juventude e Desporto

“É absolutamente extraordinário. Nelson Évora é um exemplo para todos nós; É uma lição que o desporto nos dá. Com esta capacidade de resistência e sobretudo de superação, percebemos que podemos conseguir alcançar os grandes objetivos que possamos definir para a nossa vida. São 10 anos de um feito extraordinário, porque é uma medalha de ouro nos Jogos Olímpicos, mas é a longevidade e sucesso da carreira do Nelson Évora que é uma lição para todos nós, os portugueses de cá e todos os que estão um pouco por todo o mundo.”

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER