Carlos Monteiro

Vaping – Crónica de um fim anunciado

Não me lembro de nos últimos anos ter visto uma campanha tão histérica relativamente a casos de saúde pública, como aquela que se tem assistido nos últimos meses contra os cigarros eletrónicos – vaping. Nem mesmo a recente moda de não se vacinarem crianças, por exemplo. Esse sim um problema que deveria ser discutido incessantemente, por pôr em causa décadas de avanço na prevenção de doenças perigosas que julgávamos estar a caminho da erradicação e que, subitamente, ressurgem em países desenvolvidos como o Canadá.

Tenho seguido alguns órgãos de comunicação social, nomeadamente imprensa escrita, que diariamente têm artigos sobre o assunto. Desde opiniões de médicos a organizações de defesa de saúde pública, acabando em pessoas ligadas às várias agências de saúde na Europa, EUA e Canadá.

Vamos a factos: A CDC – Centers for Disease Control and Prevention, informou a 21 de novembro que foram relatados 2.290 casos de problemas respiratórios relacionados com o uso de cigarros eletrónicos. No Canadá, segundo o website oficial do governo (canada.ca), até ao dia 3 de dezembro foram relatados 13 casos de pessoas que apresentaram problemas no pulmões que podem estar relacionados com o seu uso, sendo que a maioria dos casos têm que ver com excesso de nicotina ingerido, uma vez que esses utilizadores usaram líquido nos seus cigarros eletrónicos que continha nicotina (há líquidos com ou sem nicotina e com os mais diversos sabores).

Preocupante? Sem dúvida. Alarmante? Por que seria alarmante? Por que seria tema de artigos e entrevistas diariamente nos jornais mais conceituados do país? Não consigo descortinar uma razão que faça grande sentido, a não ser a introdução de legislação para limitar o seu uso.

Neste particular, vejo dois caminhos possíveis, concordando com o primeiro e discordando totalmente com o segundo:

1 – O uso de cigarros eletrónicos devia estar sujeito às mesmas regras que os cigarros normais. Não devia ser vendido a menores, não deveria ser usado em recintos fechados e dever-se-ia manter uma certa distância de qualquer escola, habitação, superfície comercial, etc.

2 – A proibição do uso do cigarro eletrónico por representar um perigo para a saúde pública, nomeadamente dos utilizadores e de quem os rodeia.

Se quanto à primeira opção entendo não haver qualquer dúvida sobre que é o caminho a seguir, relativamente à segunda, e acho que vai ser a opção escolhida a certa altura, não podia discordar mais.

O consumo de tabaco é responsável por cerca 30% dos casos morte relacionados com o cancro nos países desenvolvidos. Por ano nos EUA morrem cerca de 480.000 pessoas com doenças relacionadas com o consumo de tabaco. No Canadá esses números fixam-se nos 36.000, com cerca de 100 óbitos por dia relacionados como o seu consumo.

O consumo de álcool é responsável por mais de 4.000 mortes por ano no Canadá. Para se ter uma ideia mais abrangente, o consumo de álcool está ligado à morte de mais de três milhões de pessoas por ano no mundo inteiro. Mas poderiamos continuar. Qual a quantidade de mortes por ano relacionadas com o uso excessivo de carnes gordas, de polisaturados ou de açúcar? Quantas pessoas padecem de doenças crónicas devido ao excesso de produção de dióxido de carbono no mundo moderno? A lista seria longa, não havendo em nenhum dos casos qualquer género de proibição ao seu uso, apesar de haver legislação de controlo ao nível da sua produção ou inclusão em produtos e serviços. Caberá sempre ao consumidor final fazer a sua escolha em plena consciência.

Uma outra preocupação recente é a de que os jovens estão a optar pelos cigarros eletrónicos, levando a que sejam fumadores de tabaco convencional no futuro. Neste momento, não há qualquer dado científico ou estudo que prove este receio, estando, inclusivamente, a diminuir o número de fumadores de tabaco nos EUA e no Canadá.

A pergunta que se deveria colocar seria:  por que razão não foi proibido o uso de álcool e do tabaco e se está em histeria por causa dos casos mais recentes de problemas de saúde relacionados com o vaping?

Só encontro uma única explicação: fatores financeiros e económicos. A indústria do tabaco, por exemplo, representa cerca de oito mil milhões em receitas através de impostos no Canadá, cerca de 1% das receitas de impostos federais. Segundo o Financial Post, num artigo de 13 de maio deste ano, a perda desta receita traria um agravamento no défice do país de cerca de 17%, que se situava na altura nos 18.1 mil milhões de dólares. As receitas provenientes da indústria tabaqueira representam também 1% dos orçamentos das províncias. Não estamos certamente a falar de uns meros trocos.

Além do impacto financeiro nos cofres do Estado, afetaria grandemente as comunidades aborígenes, que em muitos sítios ainda têm a venda ilegal de tabaco como uma grande fonte de receita. Apesar desta venda ser oficialmente combatida, não é menos verdade que os mercados paralelos servem alguns propósitos e são muitas vezes intencionalmente ignorados para servir desígnios de importância maior.

Já antes da recente crise, as principais tabaqueiras adquiriram posições importantes nas empresas produtoras de cigarros eletrónicas, numa tentativa óbvia de controlar um mercado, na altura, em expansão. Os casos de problemas de saúde relacionados com o vaping, vieram mesmo a jeito, dirão alguns!

Nos EUA, o estado de Nova Iorque foi o primeiro a proibir, a 17 de setembro, o uso de cigarros eletrónicos com sabor, anunciando, muito provavelmente, o fim do vaping naquele país.

Não sou de forma alguma defensor dos cigarros eletrónicos, até porque sou fumador de cigarro convencional, nem tampouco ponho em causa os casos relatados de problemas de saúde relacionados com o uso daquele, mas não posso deixar de me indignar com a maneira hipócrita, manipuladora e sensacionalista como alguns órgãos de comunicação social e alguns responsáveis do setor da saúde têm debatido esta questão, com evidente cedência a certos lobbies relacionados com a indústria tabaqueira.

Antecipa-se uma tomada de posição firme por parte do governo federal ou provincial muito em breve sobre esta matéria, esperando-se o fim do fenómeno de vaping!

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