Opinião

Teorias geométricas

Sempre o mesmo horizonte ...mar, névoa, a ilha em frente. - Almeida Firmino

Sempre que se fala em triângulos, e se lhes acrescenta um adjetivo derivado da palavra amor, já sabemos que o resultado, salvo raríssimas exceções, tenderá para o desastre. As relações não se querem triangulares, mas sob a forma de duas linhas paralelas que, lado a lado e de mãos dadas, seguem caminhos comuns, mesmo se com algumas dificuldades pelo meio.

 

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O triânglo, ao contrário, pressupõe a existência de um terceiro elemento, normalmente olhado como o intruso que se mete entrelinhas, cria acidentes de percurso, introduz problemas na caminhada e altera o equilíbrio da ligação, por mais equilátera que esta sonhasse ser, reduzindo-a a uma triste figura escalena. Há exceções, como em tudo na vida, e estas, como soe dizer-se, só confirmam a regra.

É sobre uma destas exceções que hoje escrevo, e o triângulo amoroso de que vos falo é constituído por Faial, S. Jorge e Pico. As duas primeiras conheciam-se há séculos e, separadas por um abraço de mar que não chega aos 40 km, tinham uma relação de vizinhança pacífica, não fora a bruma tantas vezes intrometer-se para impedir que se visitassem mais vezes com o olhar. Ao fim de milhares de anos de mútua contemplação, eis que, das profundezas do mar, se ergueu uma terceira ilha. Negra e altiva, pese o olhar sobranceiro com que se habituou a mirar as outras do alto da sua altitude maior, não constituiu qualquer ameaça à relação já existente.

A pele de lava de que era feita cobria-lhe a nudez da esterilidade que a tornava pouco desejada. Rezam as crónicas que, por isso, fora lugar de degredo, de castigo, onde os condenados, para não morrerem à míngua, em vez de rosas transformaram pedras em pão. E ao pão juntaram o vinho, arrancado também do lajido negro, que lhe serviu de chão, mas também de muro protetor contra os ventos da maresia. E o néctar da vinha rasteira, aquecida pelo calor das escoadas basálticas e domesticada em curraletas de pedra solta, ganhou fama, rompeu fronteiras e foi servido em mesa de czar e de outras cortes europeias, até se transformar em Património Mundial da Humanidade. 

E aquela que foi a última a nascer, viu-se obrigada a competir com as irmãs mais velhas, de enxoval e dotes firmados na beleza com que a paisagem as dotara, como era o caso das fajãs de S. Jorge, ou o cosmopolitismo que a baía da Horta cedo trouxera ao Faial. Desafiara-as já em altitude, fazendo do seu Pico a convergência de todos os olhares – porque é no Faial e S. Jorge que estão os lugares de onde melhor se avista o topo da montanha -, mas precisava tirar partido de mais alguma atividade, para garantir uma sobrevivência que não se bastasse apenas de pão e vinho.

Se até aí haviam convertido pedras em iguaria de missa, era hora de se aventurarem na baleação, arte aprendida com povos do outro lado do mar. Arpoados de muita coragem, tudo largavam para lançarem botes ao mar, de cada vez que ouviam o foguete estralejar. Depois, seguiam-se rosários de orações e esperas, dias e dias longe de casa a prescrutar o horizonte em busca de sustento, agora esculpido em objetos de osso e imagens do Museu dos Baleeiros.

Assentes em décadas de memórias e tradições, as três ilhas criaram identidades próprias que as tornaram diferentes e únicas, contrariando, assim, a teoria dos acidentes geométricos. Diz-nos esta que devemos evitar viver em círculos viciosos, em triângulos amorosos, ou conviver com mentes quadradas. Concordo, em parte, porque ao ter revisitado, recentemente, o triângulo Faial, S. Jorge e Pico, encontrei-o firme e unido numa relação de séculos.

Assistindo ao pôr do sol no terraço do Cella Bar, na Madalena, olhava-as sem saber qual delas era a hipotenusa, ou quem lhe ladeava os catetos. Consultei Pitágoras, que me respondeu serem as três apenas uma soma ao quadrado de afetos!

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