Aida Batista

Sorrir à vida com meia cara

Depus a máscara e tornei a pô-la. Assim é melhor. Assim sou a máscara. E volto à personalidade como a um terminus de linha. - Álvaro de Campos

Sorrir à vida com meia cara-portugal-mileniostadium

 

Na década de 90, quando estive em missão fora do país, a primeira ferramenta que me permitiu estar em contacto com os meus filhos, em Portugal – sem custos adicionais para além dos que faziam parte do pacote contratual de internet -, foi o programa Netmeeting. Recordo a grande vantagem de, do outro lado do Atlântico, ter podido vê-los no ecrã do meu computador e assistir ao crescimento do meu primeiro neto. Só em 2003 nasceu e se popularizou o Skype, seguindo-se depois as outras aplicações, como o Messenger e o Whatsapp de fácil utilização no telemóvel. Mais recentemente, muitas outras foram desenvolvidas permitindo a participação de um maior número de utilizadores em simultâneo, como é o caso do Zoom.

A pandemia veio acentuar a utilização de todas estas plataformas digitais, que passaram a substituir os habituais encontros e reuniões presenciais em grupo. Nunca, como agora, elas estiveram tão presentes nas nossas vidas, em especial para quem faz do teletrabalho um novo modo de vida. No meu caso, e apesar de já não estar ligada ao mercado de trabalho, tenho tido também necessidade de, em situações pontuais, me valer da sua utilização.

Há pouco tempo, participei numa formação à distância por esta via e, como primeira experiência, pesem embora as hesitações e dificuldades iniciais, não posso dizer que me tenha saído mal. Contudo, não é de todo a minha forma preferencial de comunicar. E pude comprová-lo quando, dias depois, o mesmo grupo foi sujeito a uma segunda sessão, mas, desta vez, presencial.

A única vantagem da primeira sessão sobre a segunda foi que, no ecrã, nos apresentamos de cara inteira, enquanto na presencial a máscara só nos deixava ver meia cara. Fora isso, que diferença entre uma e outra! Foi como se na primeira nos tivéssemos reduzido a uma fotografia “tipo passe”, enquanto na segunda nos mostrássemos de corpo inteiro!

E quando digo de corpo inteiro, estou a valorizar toda a linguagem corporal, tendo em conta que o nosso corpo é o maior emissor de mensagens. Estas passam por todas as variantes do andar e do sentar, pela postura hirta ou mais solta, pelo gesto contido de mãos e braços ou pelo gesticular exuberante, pelas diferentes tonalidades de voz que podem traduzir as mais diversas emoções, pelo silêncio que fala, pelo olhar que pode ser fixo, atento, indiferente ou sarcástico; em suma, por um conjunto de pormenores que tanto determinam o que fazemos, como o que pensamos ou sentimos.

Todos nós já passámos por situações em que, ao identificarmos uma pessoa apenas pela voz, e sem lhe conhecermos nenhum outro detalhe físico, lhe damos um corpo e um rosto. Mais tarde, ao termos a oportunidade de a conhecer pessoalmente, quantas vezes concluímos que é bem diferente da imagem mental que dela havíamos construído. Foi isso que me aconteceu com uma das formadoras. Quando a ouvi, no ecrã do meu computador, a sua voz, embora segura, era doce, pausada e serena. Via-lhe apenas o rosto, e de imediato a defini como uma mulher baixinha, porque nos habituámos a associar vozes mais fortes e poderosas a pessoas de elevada estatura. Percebi, depois, o quanto estava errada.

A nossa mente foi formatada para determinados estereótipos a que nem sempre se consegue fugir. Temos ritos e mitos de tal modo enraizados que acabamos por, sem querer, cair nas armadilhas do nosso subconsciente.

Por isso me sirvo do título de uma obra de José Rodrigues Miguéis, para concluir que sempre é melhor sorrir à vida, de frente e com a meia cara que a máscara descobre, do que com ela inteira no ecrã de um computador.

• Leia os artigos de opinião do Milénio Stadium aqui.

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