Opinião

Redescobrir o país

“A verdadeira viagem de descoberta não consiste em procurar novas paisagens,  mas em ter novos olhos”. – Marcel Proust

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Crédito: Aida Batista

A Estrada Nacional 2 (EN2)  completou 75 anos. Tendo em conta a faixa etária em que se situa, podemos dizer que atingiu a designada terceira idade há 10 anos. À semelhança do que acontece com tudo quanto envelhece, também ela foi durante muito tempo esquecida. Nas suas sete décadas e meia de vida, tem rasgado o país de Norte a Sul – de Chaves a Faro – mas pouco se tem falado dela, apesar de ser a única via na Europa que atravessa um país na sua longitude. Como ela, apenas existem mais duas no mundo: a Route 66, nos Estados Unidos da América, e a Ruta 40, na Argentina.

Foi votada ao abandono, porque rapidamente se criaram troços alternativos que, de forma mais eficaz, serviram os interesses das populações que viviam nas zonas ruraris do interior do país. Depois, a recente invasão das autoestradas ditaram-lhe a certidão de óbito, acentuando a desertificação rodoviária dos 35 concelhos abrangidos pelos 739, 26 km que formam o dorso da EN2.

Nos últimos anos, a Associação dos Municípios que a integram uniu-se em torno de um projeto que pretendia revitalizar a via, dado-a a conhecer não só ao país, mas também aos estrangeiros que regularmente nos visitam. Nesse sentido, surgiram uma série de iniciativas, muito para além da renovação dos marcos que a sinalizam. Foi, por exemplo, criado um passaporte que cada utilizador pode preencher com os seus dados pessoais, e depois ir carimbando ao longo do percurso, onde existem postos que assim testemunham a sua passagem. Estes estão localizados em câmaras municipais, postos de turismo, museus, bombas de abastecimento de combustíveis, centros culturais, estabelecimentos de alojamento local e restaurantes.

No caso do Sardoal – vila no centro do país onde tenho casa e passo a maior parte do ano – o Restaurante Zito, além do carimbo, teve a feliz ideia de fotografar os viajantes numa moldura comemorativa, publicando, diariamente e com a devida autorização, as fotos no site do Facebook. Pelo número de registos, rapidamente se conclui da quantidade de pessoas que, a título individual, familiar ou em diferentes grupos, se lançou nesta aventura de atravessar vila, em ambos os sentidos, conforme a direção que a viagem toma.

Não se pode dizer, ao contrário da Ruta 40, na Argentina, que a paisagem seja toda ela deslumbrante em beleza natural; pelo contrário, alguns quilómetros pouco acrescentarão a qualquer roteiro que pretenda chamar a atenção para recantos que nos atraiam do ponto de visa paisagístico, apesar de tanto se embrenhar por entre montanhas, como deslizar por planícies, onde os rios convidam a um mergulho.

Quem já passou pela experiuência deixa dicas em blogues, a sugerir pequenos desvios, compensados pela novidade e beleza dos espaços a visitar.

Apesar de, no ano transato, a EN 2 ter já sentido maior movimento, suscitado por um certo revivalismo de atravessar o país por caminhos antigos, a verdade é que a pandemia, ao limitar entradas e saídas do país, obrigou a fazer férias cá dentro, como dantes era já sugerido por um célebre slogan de uma campanha a apelar para o consumo interno.

E foi assim que, de repente, gente de bicicleta, de mota, de carro, de caravana, e até, um ou outro solitário, a pé, decidiu partir à descoberta do interior do país. Fotografias de lugares paradisíacos e exóticos, a lembrar paisagens de outros países, começaram a ser postadas e a encher murais de diferentes viajantes. Um país esquecido voltou a ser descoberto e visitado com novos olhos que, durante anos, viveram a cegueira de não saberem olhar.

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