Opinião

Fragmentos de setembro

Vê se vês terras de Espanha,

Areias de Portugal.

Fado de Amália Rodrigues, José Régio (letra)

As previsões meteorológicas apontam para mais uma semana quente, apesar dos chuviscos a norte e no litoral. No entanto, manhãs e noites, ligeiramente frias, anunciam a chegada do outono. Oiço, com frequência, manifestações de regozijo por o verão se prolongar, proporcionando-nos mais uns dias de praia e de piscina. Recordo-lhes que, num passado recente, era na primeira quinzena de setembro que passava férias. Havia menos trânsito, menos gente e os preços no parque de campismo eram mais acessíveis.

Foram tempos em que o calendário do ano letivo não tinha a rigidez dos atuais, ficando o regresso às aulas sujeito a uma série de atrasos, tidos como normais na altura. Assim, os professores (como era o meu caso) e as famílias com crianças em idade escolar gozavam de um intervalo mais alargado para marcar o período de férias, o que atualmente não acontece, cingidos que estamos ao mês de agosto.

Este ano, por via do encontro regular de um grupo de amigos, voltei ao Algarve na terceira semana de setembro (de 16 a 22). Porque nos instalamos na zona de Tavira, a proximidade de Espanha convidava a um passeio pelos arredores de Huelva. Aproveitamos para visitar a aldeia de El Rocio – com o seu ar selvagem por causa das ruas de terra batida – e o museu ao ar livre “Cais das Caravelas”, em Palos de la Frontera, onde pudemos entrar nas réplicas da  Santa Maria, Niña e Pinta, que, em agosto de 1492, capitaneadas por Cristóvão Colombo, partiram em busca da Índia. Apesar de estas duas visitas terem constituído uma estreia, aquela geografia é-me familiar, porque, nos finais da década de 70, acampei por várias vezes no parque da Praia de Mazagon.

Por isso, não pude deixar também de fazer uma viagem por muitas das memórias que não paravam de se atravessar no meu caminho, de cada vez que uma placa toponímica me indicava estradas há várias décadas percorridas. Recordo a organização do parque, muito bem apetrechado, com uma piscina à entrada, apesar da proximidade da praia. Fecho os olhos e caminho pelas ruas ladeadas de árvores, onde vejo ainda o estendal das nossas toalhas de praia. À entrada do parque, uma cabine telefónica, testemunha das conversas telegráficas e rápidas a informar que estava tudo bem. Meus pais não tinham telefone, coisa muito rara em casas privadas. Combinava-se dia e hora para se ficar de atalaia no posto público, que normalmente funcionava na loja ou no café da aldeia. A placa vermelha suspensa na parede da porta – com o mensageiro de trombeta montado a cavalo – identificava o símbolo com que se apresentavam. Quão diferente era o ritmo da vida sem as redes sociais, que de tudo dão conta em tempo real!

São imensas as imagens que percorro com a nitidez das fotografias a cores. Devolvem-me a água quente da praia sem ondulação, as caminhadas no areal, o cinema ao ar livre que projetava filmes com os atores americanos a serem dobrados em espanhol, a alegria do movimento noturno das esplanadas onde jovens e adultos dançavam ao som das sevilhanas.

Das várias estadas em Mazagon, destaco a que passei a elaborar as fichas do material recolhido para a minha tese de licenciatura (ainda hoje guardadas numa caixa de cartão). Aguardava pelo silêncio para trabalhar horas a fio, quando a maioria das famílias havia saído para a praia, e apenas tinha o rumorejar das árvores como música de fundo.

Foi em terras de Espanha que alinhavei o meu estudo sobre o regime senhorial em Portugal, mas foi nas areias do Mondego que o defendi, argumentando com todos os detalhes da natureza, duração, sucessão e encargos dos contratos do Tombo do Prazo de Riba-Vouga, datado de 1816.

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