Opinião

Almanaque de sonhos

Terminamos o ano a formular votos de Feliz Ano Novo a todos os nossos familiares, amigos e conhecidos. Iniciamos o seguinte com uma lista de pretensas realizações nem sempre concretizadas. Refletir sobre os meus desejos para o próximo ano traz-me à memória um episódio vivido há uns anos em Lisboa.

 

Aproximava-se a hora do comboio e precisava de apanhar um táxi. Ergui o braço e fiz sinal ao primeiro que vi. Saudei o motorista e dei-lhe a indicação do destino. Percorremos alguns metros até sermos travados pelo primeiro semáforo. O taxista preenche este primeiro compasso de espera com uma pergunta: “É carneiro?”

Fico baralhada. Fala sozinho ou dirige-se a mim? Olho para o espelho retrovisor e, pela expressão, depreendo que aguarda uma resposta. Como me mantenho calada, insiste: “É do signo de carneiro?” Agora, sim, entendo a pergunta. Respondo-lhe que não, mas não lhe dou qualquer indicação do signo a que pertenço. Percebo, no entanto, que tenho comigo um daqueles condutores que gosta de conversar. Percebo, também, que não se trata de um gesto de má educação nem ele tem ar de intrometido. Para isso, falta-lhe qualquer coisa de rufião, característico de quem foi nado e criado em determinados bairros alfacinhas. Também não tem aquele sotaque do malandro-convencido-engatatão que se pavoneia frente ao primeiro rabo de saia que lhe aparece pela frente. Pelo contrário, a voz denuncia uma ruralidade escondida por trás das vestes domingueiras. Não é mais do que um emigrado da província em busca de outras perspectivas de vida. A capital não lhe despiu ainda o fato da autenticidade com que nasceu.

– Desculpe, minha senhora, é que se fosse carneiro eu dizia-lhe já as previsões para esta semana e quais eram os seus dias de sorte.

O percurso é curto, estamos no início de um novo ano e não custa nada manter o espírito da quadra que só termina em Dia de Reis. Decido preencher os vazios da solidão de um homem que vende sonhos à bandeirada. Sorrio, como que a dizer-lhe que não me sinto incomodada. Ele prossegue: “Sabe, o meu patrão só faz negócios nos dias assinalados no signo dele. Se lá vier que dia tal e tal não são bons, ele nem sequer tenta e espera pelos dias que lá diz. E sabe uma coisa? Tem tido sorte!”

Levanta a brochura pousada no assento ao seu lado, ergue-a como se fosse uma bandeira e prossegue: “Olhe, diz aqui que o meu dia da sorte desta semana é dia 8. Vamos lá ver o que é que acontece! A senhora pode comprar um livrinho destes em qualquer quiosque aí nas ruas. Custa só um euro e noventa.”

Para evitar o constrangimento de ter o meu interlocutor condenado a falar sozinho, encho-me de coragem e lá dou o meu envergonhado contributo para o diálogo: “Então, diga-me uma coisa. No meu caso, como não estou ligada ao mundo dos negócios, o que é que eu fazia nesses dias?”

Do alto da sua experiência em previsões de almanaque, explica: “Sabe os signos não são só para os comerciantes, é para toda a gente. Por isso, a senhora de acordo com aquilo que faz, vai lá encontrar instruções para a sua vida. Não quer dizer que tenha de seguir tudo exactamente como lá diz, mas é uma espécie de orientação. Por exemplo, os dias de sorte desta semana para mim é a terça e a sexta. Por isso, é na terça-feira que vou meter o totoloto e o euromilhões, tá a ver? “

Esgotou-se o tempo da conversa e terminou também ali a minha viagem pelo mundo da futurologia. Arredondei o pagamento e despedi-me com votos das maiores felicidades ao “Carneiro” que acabara de transportar uma “Sagitária”.

Seja qual for o signo de quem me está a ler, espero que o ano que agora se inicia chegue ao fim com um almanaque de sonhos realizados.

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