Aida Batista

Não vou por aí

Ninguém me diga: “vem por aqui”! - José Régio

Não vou por aí-portugal-mileniostadium
DR.

Meu pai nasceu numa aldeia do distrito de Viseu, daquelas que não vêm no mapa, de tanto viverem esquecidas da cartografia do país. Só conhecia os caminhos para lá chegar quem lá tivesse nascido, e pouco mais conhecesse do mundo do que as outras aldeias vizinhas.

Oriundo de um família muito humilde, os únicos horizontes com que cresceu foram os que a 4ª Classe lhe deu, num tempo em que esta era suficiente para se fazerem à vida. Às mulheres, chegava-lhes a 3ª Classe, diploma suficiente para passarem da tutela do pai para a do marido sob a qual “ficava arrumada”.

Apesar da rudeza agreste da paisagem e da casa onde não havia espaço para afetos, sempre o admirei pela sua fineza no trato e por um saber estar que nunca soube de onde lhe viera. A verdade é que, tanto eu como os meus irmãos, fomos educados num conjunto de regras que fazem parte de qualquer manual de boas maneiras. Entre elas, estava a linguagem em relação à qual era muito exigente, nunca nos tendo permitido o uso do calão, nem de outras liberdades que pudessem roçar o palavrão obsceno ou ofensivo.

A mesma era a conduta de minha mãe, a quem nunca ouvi sequer um “rais parta” que, por pudor, substítuía por “rais pele”, de cada vez que se deixava apanhar por uma qualquer irritação. Acho que era a única boca de onde saía tal impropério, porque não me lembro de a ter ouvido de mais ninguém. Por isso, se alguma vez, por uma perda repentina de paciência, me ouvirem soltar um palavrão que fira ouvidos mais sensíveis, ficarão a saber que não é por alguma vez os ter ouvido em casa, mas por me ter permitido transgredir o que aprendera.

Por tudo isto, sempre apreciei tanto a elegância no trato como a elevação na linguagem, em qualquer discussão ou debate em que se dirimam argumentos, sem baixar o nível, nem recorrer à insinuação soez ou ao insulto grosseiro. No parlamento, o espaço por excelência onde os adversários privilegiam o combate de ideias, o bom tribuno é aquele que fundamenta a sua argumentação na lisura e figuras de retórica, cujo domínio permite utilizar um registo que nunca descamba em intervenções desbragadas. Continuamos a ter alguns, felizmente, embora, uma vez por outra, assistamos a alguns excessos mais destemperados.

Vem tudo isto a propósito de Portugal estar neste momento a viver os momentos da campanha para as eleições presidenciais. Pela primeira vez, somos confrontados com um tipo de linguagem trauliteira, ordinária, grosseira e boçal (não vou esgotar os adjetivos) utilizada por um dos candidatos contra os seus adversários, incluindo aquele que é ainda o nosso Presidente da República. Sei que ainda sofremos de uma parolice saloia a considerar que tudo quanto vem de fora é bom. Podíamos ter ficado por certos produtos, mas não, alguém enfatuado por um diploma de elevado grau académico, quis importar a linguagem caceteira, o que só prova que educação e formação nunca foram conceitos equivalentes.

Os insultos têm sido dirigidos tanto aos candidatos como às candidatas, só que, no caso destas, não poderia faltar a referência machista à maquilhagem, comparando-a a uma boneca insuflável. Freud teria uma boa explicação para o facto de este brinquedo sexual ter sido invocado, e o candidato não ficaria muito bem na radiografia que, do seu subconsciente, se fizesse.

Hoje, à meia-noite, termina a campanha eleitoral, amanhã é dia de reflexão. Como me vali do voto antecipado, e já exerci o meu dever de cidadania, não preciso de refletir. Dado que o voto é secreto, não vou confessar em quem votei, mas é-me permitido invocar José Régio para vos dizer:

“Só vou por onde me levam meus próprios passos.

– Sei que não vou por aí!”

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