Opinião

A Toca do Lobo

On ne guérit jamais de son enfance. Autor desconhecido

Em Portugal e no Brasil, celebra-se hoje, sexta-feira (26), o Dia dos Avós, tendo sido esta data escolhida por se comemorar o dia de Santa Ana e S. Joaquim, pais de Maria e avós de Jesus Cristo.

É de todos bem conhecido o papel dos avós, em especial num contexto de diáspora, como transmissores de um valioso património imaterial, traduzido em canções, orações, provérbios, lengalengas, histórias, brincadeiras, que os netos repetem sem perceberem, muitas vezes, o seu verdadeiro significado. Basta-nos estarmos atentos a vários testemunhos do quotidiano para percebermos o quão importante foram os avós nas nossas vidas – pessoais e profissionais – e como contribuíram para a construção e afirmação da nossa identidade.

“Ilhan Abdullahi Omar nasceu há 36 anos em Mogadíscio, capital somali. Última de sete irmãos, órfã de mãe desde os dois anos, foi criada pelos avós e fugiu do país, com a família, para escapar aos horrores da guerra civil no início dos anos 90. Conseguiram asilo político nos Estados Unidos e fixaram-se em Mineápolis, onde o pai, que fora professor, se fez taxista e depois carteiro. O avô Abukar, entusiasta da democracia americana que escasseava em África, levava a neta a atos políticos para que esta lhe traduzisse o que era dito. Formada em Ciência Política e Relações Internacionais, Omar é cidadã dos Estados Unidos desde 2000. Militante do Partido Democrata participou desde cedo em campanhas, e em 2016 foi eleita para o Senado estadual de Minnesota, tornando-se o primeiro membro somali-americano de uma câmara legislativa no país. Passados dois anos, ascendia à Câmara dos Representantes com 78% dos votos, como um dos primeiros muçulmanos (com Rashida Tlaib, do Michigan) a tomar assento naquela câmara baixa do Congresso e a primeira a nele surgir com o véu islâmico. Foi a mulher com maior percentagem de votos de sempre para o Congresso e tomou posse jurando sobre um Corão que pertencia ao avô.”

Este exemplo, retirado da edição do Expresso Curto da passada semana, ganhou notoriedade pela perseguição de que Omar está a ser alvo por parte de Donald Trump. Afastanto qualquer abordagem de natureza política, a pergunta que se impõe é: “Teria esta mulher chegado a Congressista, se não fosse neta de um avô que amava a democracia, mas não descodificava a linguagem em que esta se expressava? Teria ela, no ato de posse, feito o juramento sobre um livro sagrado do avô se, naquele preciso momento, não quisesse cunhar uma marca identitária familiar? Muitos outros exemplos poderiam ser dados, mas o que importa é deles concluir do peso da herança familiar na vida de cada um de nós.

E como será viver sem qualquer referência de avós? Henrique Raposo – jornalista e colunista do Expresso – escreveu num belíssimo artigo de opinião, a que deu o título A Rua e a Reta dos Avós, o seguinte:
“Precisamos de – pelo menos – três pontos para triangular a nossa posição; precisamos, no mínimo, de três pontos (filho, pai e avô) para construirmos a figura geométrica cujas linhas formam as fronteiras da nossa casa; se tivermos apenas dois pontos (filho, pai), somos apenas uma linha reta que varre o mundo numa trajetória aleatória, não formamos um espaço fixo no mundo, não formamos uma figura, flutuamos apenas.”

Catarina Mourão, a realizadora do filme “A Toca do Lobo”, foi criada apenas numa linha reta que a unia a um outro ponto – sua mãe. Faltou-lhe o avô materno que morreu meses depois de ela ter nascido. Sentiu, portanto, falta do ângulo deste avô para erguer as paredes do seu edifício afetivo. Na linha ascendente da sua árvore genealógica, teria de começar por fazer perguntas à mãe, na esperança de obter uma narrativa familiar que o enquadrasse no tempo.

Quando começamos a ouvi-la, logo percebemos que estamos perante uma dupla ausência porque também ela quase nenhum contacto teve com o pai. É este avô, omisso também na vertente de pai, que Catarina tenta retratar e homenagear num filme que vivamente recomendo para celebrarmos o Dia dos Avós.

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