Opinião

À espera do Natal

O calendário está a chegar ao fim, e dezembro faz-se anunciar embrulhado na magia do Natal. Foi sempre o mês mais desejado da minha infância. Hoje, mulher feita, continuo a esperá-lo na excitação dos tempos que a memória guarda com a nitidez das ruas iluminadas, dos laços dos embrulhos coloridos, das luzinhas a piscar nos postes e árvores da cidade, das músicas natalícias a ecoar em todos os quarteirões comerciais, dos aromas de fritos que, por mais que se comam no resto do ano, só agora ganham o verdadeiro sabor a natal.

Por mais críticas que dirija ao consumismo, por muitas juras que faça de que para o ano tentarei ser mais contida, estarei a invocar o santo nome de Deus em vão, porque não serei capaz de resistir à tentação de mais um adereço decorativo. Nesta quadra, a casa ganha novas cores, luzes, movimentos e cheiros, mesmo quando a reciclagem há muito é palavra de ordem.

Sábado passado, dia de aniversário de um irmão meu, precisei de me deslocar a um centro comercial para lhe comprar um presente. Como se percebe, a minha deslocação nada tinha que ver com a quadra natalícia, e nem sequer saí de casa na designada hora de ponta. Mal me apanhei na rua, e apesar de utilizar transportes públicos, deparei com um trânsito caótico a desafiar a paciência de qualquer um. Nestas alturas, vale-nos o corredor destinado ao bus, via verde que permite ao motorista andar mais depressa do que os restantes veículos. No entanto, há sempre alguém mais afoito que tenta uma manobra perigosa. Ouvem-se as habituais buzinadelas e alguns palavrões alheios aos apelos da paz entre os homens de boa vontade.

Consigo chegar a tempo, apesar da multidão que se dirigia para a loja, como se houvéssemos decidido ir todos fazer compras ao mesmo lugar. Entrei para procurar o que queria, e esperava-me uma prova de perícia: deslizar por entre um emaranhado de carros de compras empurrados por gente que se atropela à minha frente. Vou apelando à calma, toldada por bolas, velas, pinhas, luzes, carregadas contra o peito de quem se cruza comigo. A minha primeira reação foi desistir, mas não, não podia! A festa de aniversário era naquela noite, e eu tinha de levar o presente.

Consegui. Paguei e cá fora aguardava-me a mesa dos embrulhos, onde tive de enfrentar mais uma fila até chegar aos rolos de papel, laços e fita-cola. O senhor que está à minha frente não leva compras, mas desenrola metros de papel como se quisesse embrulhar o vazio das mãos. Depois, outro tanto em fitas para laços. Deve ser mais um que se aproveita da época para armazenar papel de embrulho destinado ao ano inteiro.

Quando chega a minha vez, despacho-me para não provocar outras esperas.

No regresso a casa de metro, sento-me à entrada da carruagem e começo a pensar em toda esta azáfama. Estamos apenas na primeira semana de Dezembro. Não chegámos aos dias finais, aos que antecedem a noite em que, na lista cuidadosamente elaborada, faltou um ou outro presentinho esquecido numa prega de amnésia. Se já andamos assim na primeira semana, que acontecerá quando a data estiver mais próxima?

Embalada pelo movimento da carruagem, viajo até à infância, onde vou buscar memórias perdidas na inocência da idade. Acarinho a criança que, dentro de mim, brinca pelos bosques atapetados de musgo de silêncio. Perco-me nos labirintos do presépio, tropeçando nas casinhas iluminadas por desejos acalentados durante o ano. Vejo sorrisos em rostos de crianças que ainda acreditam no Pai Natal. Entro no cenário, trocando as voltas à idade, para brincar ao faz de conta.

O revisor da ilusão deixa-me ficar, de olhos fechados, até o apito e os travões da carruagem me avisarem do túnel da saída.

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