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“Sua Fraternidade” o Papa Francisco no Iraque

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Créditos: DR.

1. Era a viagem mais arriscada do seu pontificado. Mas Francisco foi, porque era um “dever”, repetiu no avião a caminho do Iraque, país onde nunca tinha estado um Papa.

Precisava de ir, e havia quatro razões e objectivos essenciais: fazer uma reparação, visitar uma Igreja martirizada, aprofundar o diálogo inter-religioso, contribuir para a reconstrução do Iraque.

1. 1. O que João Paulo II fez para tentar impedir a invasão do Iraque, mas sem êxito! O que é facto é que, com base numa mentira, a invasão e a guerra em 2003 atiçaram ainda mais o incêncio dos horrores. Um erro fatal! Francisco também disse: “Venho como penitente”.

1. 2. Francisco encontrou-se com o ayatollah Ali al-Sistani, a maior autoridade xiita no Iraque, que vive numa casa modesta, num bairro pobre de Nayaf e que, contra as regras, se levantou humildemente para saudar Francisco.  Foi um encontro a sós. Apesar de não ter havido um documento comum (pode vir mais tarde) como o assinado por Francisco e o Grande Imã de Al-Azhar, o egípcio Ahmad al-Tayyeb, a maior autoridade sunita, “Documento pela Fraternidade Humana”, foi um gesto histórico, pois aprofunda o diálogo com o outro ramo do islão. Num encontro que durou uns 50 minutos, segundo um comunicado oficial, o líder muçulmano afirmou que os “os cristãos no Iraque devem poder viver em paz e segurança”. O Papa “destacou a importância da colaboração e amizade entre as comunidades religiosas para que, cultivando o respeito mútuo e o diálogo, possamos contribuir para o bem do Iraque, da região e de toda a Humanidade.” Ambos apelaram à fraternidade.

Também realizou o sonho que João Paulo II não pôde realizar, viajando até Ur dos Caldeus, onde, segundo a tradição, nasceu Abraão, pai dos crentes: judeus, cristãos e muçulmanos. Reuniu–se aí com representantes das várias religiões do país e proclamou bem alto: “Hostilidade, extremismo e violência não nascem de um espírito religioso; são traições à religião. Nós, crentes, não podemos calar-nos quando o terrorismo abusa da religião”. “Hoje rezamos por todos os que padeceram sofrimentos horríveis e por todos os que ainda se encontram desaparecidos e sequestrados. E rezamos para que em toda a parte se respeite a liberdade de consciência e a liberdade religiosa, que são direitos fundamentais.”

1.3. Foi ali, ao lado, em Antioquia da Síria, que, segundo os Actos dos Apóstolos, os discípulos de Jesus foram pela primeira vez chamados cristãos. O cristianismo esteve presente na Mesopotâmia desde o começo. Em 2003, ainda eram 1,5 milhões. Actualmente, serão uns 270 mil. Com indizível alegria deles, o Papa foi visitá-los — perguntavam: “Mas ele vem mesmo?!”. Se Jesus fosse hoje ao Iraque, seria entendido, pois há cristãos que ainda falam aramaico, a língua materna de Jesus.

O Papa, com uma inaudita coragem, foi e, logo à chegada, pediu aos católicos para se não deixarem contaminar pelo “vírus do desânimo”. Agradeceu-lhes a força da sua fé. Aos pastores pediu isso: “Sejam pastores, servidores do povo e não administradores públicos”.

Reservou o dia 7, Domingo, para os cristãos e a perseguição a que estiveram sujeitos pelo Estado Islâmico no norte. Esteve em Mossul, onde em 2014 os jihadistas declararam o califado e onde ainda hoje a destruição é terrivelmente visível.  Aqui, disse, “saltam à vista as trágicas consequências da guerra e das hostilidades”. “Como é cruel que este país, berço de civilizações tenha sido atingido por uma tempestade tão desumana, com antigos lugares de culto destruídos e milhares e milhares de pessoas, muçulmanas, cristãs, yazidis, cruelmente aniquidas, deslocadas à força, mortas.” Seguiu para a martirizada Qaraqosh, onde centenas participaram na oração do Angelus. “Não estais sós”. Em Erbil, celebrou a Missa final, com 10.000 fiéis, na qual Francisco se declarou feliz: “A Igreja continua viva”. Pediu aos cristãos força para perdoar: Cristo “revigora-nos para sabermos resistir à tentação de procurar vingança, que nos mergulha numa espiral de retaliações sem fim”. E garantiu-lhes: “O Iraque ficará sempre comigo, no meu coração.”

1. 4.  O Iraque é berço de civilizações e religiões. Logo à chegada, na presença das autoridades, sublinhou a riqueza da diversidade e apontou o programa de futuro: “Só se conseguirmos olhar-nos entre nós, com as nossas diferenças, como membros da mesma família humana, poderemos começar um processo efectivo de reconstrução e deixar às gerações futuras um mundo melhor, mais justo e mais humano”, e fez uma defesa cerrada  da “diversidade religiosa, cultural e étnica que caracterizou a sociedade iraquiana durante milénios” e que “é um recurso valioso a aproveitar, não um obstáculo a eliminar”.  E Barham Saleh, o presidente do Iraque: “Não podemos imaginar um Oriente sem cristãos.”

2. Em Mossul, Francisco clamou: “Se Deus é o Deus da vida, e é, não nos é lícito matar os irmãos em seu nome. Se Deus é Deus da paz, e é, não nos é lícito fazer a guerra em seu nome. Se Deus é o Deus do amor, e é, não nos é lícito odiar os irmãos.”

Conheceu o pai de Aylan, o menino sírio curdo que apareceu afogado numa praia da Turquia fugindo do Estado Islâmico e cuja imagem na praia comoveu o mundo. Foi no final da visita, que tinha como lema: “Sois todos irmãos”.

Faz parte do protocolo dirigir-se ao Papa assim: “Santidade”. No caso de Francisco, é mais realista e evangélico, sugere o teólogo González Faus, dirigir-se-lhe como “Fraternidade”.

Anselmo Borges é Padre e professor de Filosofia

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