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Pedras contra balas História de uma luta desigual


O contraste é gritante. De um lado, o ambiente é de festa, com selfies sorridentes e anúncios solenes – “vivemos hoje um grande dia na história do nosso país”. Do outro, a escassos kilómetros, o céu é negro, pintado pelas colunas de fumo denso da queima de pneus e a terra está crivada de marcas de sangue.
Em cada brinde, na inauguração da nova embaixada dos Estados Unidos em Israel, agora sedeada na cidade santa de Jerusalém, celebrava-se um futuro que aos olhos de muitos será tão negro quantos os céus da Faixa de Gaza, por estes dias. O fogo que agora consome os pneus foi ateado por mais uma decisão de Donald Trump, ameaçadora da paz no médio oriente.

O número de mortes aumenta hora, a hora mas, no momento em que vos escrevo, estão confirmados 60 mortos e 2711 feridos, entre os quais mais de 200 menores. Numa atitude condenada por uma esmagadora maioria de países ocidentais e pelo enviado da ONU para o Médio Oriente, Nikolai Mladenov, Israel voltou a usar de uma força desigual e desmedida para combater os Palestinianos que arremessam pedras e bombas incendiárias contra quem, alegam, está a apropriar-se de um território que é seu por direito ancestral.

Israel comemorou, exatamente nesse dia, 70 anos de existência enquanto nação.
Em 1948, num ambiente de pós II guerra mundial que , como sabemos vitimou milhares de judeus, nasceu o estado judaico, ocupando um território que argumentavam ser seu, com base em documentos do Antigo Testamento, com mais de dois mil anos. Já em 1917 o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Inglaterra, Lord Arthur Balfour, enviou uma carta ao líder da comunidade judaica no Reino Unido, na qual referia a intenção de facilitar o estabelecimento de um Lar Nacional Judeu, na Palestina. A 14 de Maio de 1948 nasceu então um novo estado. Ficou célebre a expressão usada na época para justificar a sua criação “Um povo sem terra, para uma terra sem povo”. Ora acontece que a terra tinha povo – palestiniano – e esse importante pormenor marca a história da região. Os palestinianos nunca deixaram de lutar pelo território que dizem ser a sua Pátria, mas numa eterna luta desigual, o mundo foi assistindo ao dizimar de um povo à medida que o Estado de Israel alargava as suas fronteiras, ocupando progressivamente mais território, conquistado à força de balas e sangue.

A pergunta impõe-se – porque razão Jerusalém, a cidade santa, é disputada por todos ao ponto de gerar guerras pela sua posse? Temos que consultar a história para encontrarmos resposta. Jerusalém foi erguida no alto do Monte Moriah. Para os cristãos, esse foi o palco da paixão de Cristo, onde Jesus foi crucificado, morto e sepultado. Para os muçulmanos, é o lugar onde o profeta Maomé ascendeu aos céus. Já segundo a tradição judaica, a cidade fundada pelo rei Davi é o local onde foi construído um templo para guardar a Arca da Aliança, onde estariam as tábuas dos Dez Mandamentos. Por isso, até hoje Jerusalém atrai peregrinos de diferentes religiões.
Depois da criação do estado de Israel e no final da guerra que se gerou de imediato, Jerusalém foi dividida em duas partes – uma ficou sob o controle de Israel e a parte oriental passou a estar controlada pela Jordânia. Mais uma guerra (a famosa Guerra dos Seis Dias) e Israel conquistou a parte oriental da cidade, que os palestianos sempre reivindicaram como capital da Palestina.

A escalada de violência nunca mais parou e a história da região está marcada por sucessivas guerras, à razão de, pelo menos, uma por década. Várias foram as tentativas da comunidade internacional, umas mais consequentes do que outras, para mediar este conflito e, apesar de muito insucesso, foram sendo conseguidos alguns avanços num processo de paz complexo.

Na tentativa de manter a neutralidade e não influenciar diretamente o já complicado acordo de paz na região, a comunidade internacional nunca reconheceu a soberania de Israel sobre a cidade. A maioria dos países, por exemplo, estabeleceu representações diplomáticas em Tel Aviv e arredores, mas não em Jerusalém.
Por isso, o anúncio por parte de Donald Trump do reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel e a mudança da embaixada têm sidos criticados até mesmo por aliados dos EUA.

A 14 de maio de 2018, 70 anos depois da criação do estado de Israel, a festa aconteceu. Ivanka Trump e o marido Jared Kushner, conselheiro sénior da Casa Branca, apareceram sorridentes ao lado de Benjamin Netanyahu, o primeiro ministro de Israel. A nova embaixada dos Estados Unidos da América foi inaugurada em Jerusalém.
Na Faixa de Gaza choram-se os mortos. Tenta-se curar os feridos. E a certeza de que não haverá paz aumenta na mesma proporção do sentimento de ódio e desejo de vingança.

Netanyahu numa afirmação tão incendiária, quanto a decisão de Trump de reconhecer Jerusalém como capital de Israel, justificou a investida israelita com poderoso armamento contra um povo que se defende com pedras e bombas caseiras arremessadas, com a muito elucidativa afirmação “Todo o país tem a obrigação de defender o seu território”.

Pois… não seria mau lembrar-lhe que os que viram o seu território ser tomado à força também poderão dizer o mesmo.

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