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HALLOWEEN – Memórias doces com um travo amargo

As noites já pedem agasalho e a respiração vê-se no bafo que se transforma em pequena nuvem a envolver as caras ansiosas e felizes.

A caixa de sapatos recortada assemelha-se às caretas de carnaval – tem dois olhos, um nariz e uma boca que se evidenciam com a luz trémula da vela, estrategicamente, colocada dentro da caixa. As mãos pequenas seguram a caixa e a vela revela uma face de criança, num misto de felicidade e ansiedade. Estamos na noite de 31 de outubro e é tempo de pedir “Pão por Deus”.

“Bolinhos e bolinhós para mim e para nós…” a ladainha, cantada por vozes tímidas, anuncia ao que se vem e porque se vem “… para dar aos finados/que estão mortos e enterrados/à porta da bela cruz/truz, truz, truz”. As portas, normalmente de gente amiga e conhecida, abrem-se e a recompensa pela ousadia chega em forma de rebuçados ou bolinhos.

Em noites mais afortunadas, de vez em quando, cai no saquinho uma moeda o que é sempre motivo de grande alegria. Surge então, no silêncio da noite, o agradecimento “esta casa cheira a broa/aqui mora boa/esta casa cheira a vinho/aqui mora algum santinho”. E… ala que se faz tarde e há mais portas para ir bater – aquelas onde se sabe que vão ajudar a encher o saco. Quando, por azar, alguém não atende ou não é generoso a cantiga que se ouve é a mesma, mas a letra é bem diferente “esta casa cheira a alho/aqui mora algum espantalho/esta casa cheira a unto/ aqui mora algum defunto”.

Por fim, cumprindo a tradição, quem abre a porta, agradece a visita com a frase que resume a essência desta noite mágica “Pão por Deus/Fiel a Deus/Bolinho no saco/Andai com Deus”.

Reza a história que o Pão por Deus tem raízes num ritual pagão do século XV e há também quem defenda que as suas origens assentam numa tradição celta – o Stamhain – que assinalava o fim do verão. Seja qual for a justificação histórica (há várias outras…), a verdade é que estas memórias que hoje passei para o papel são comuns a muitos que, tal como eu, já passaram a barreira dos 40/50 anos.

As semelhanças com o Halloween, tão celebrado na América do Norte, são evidentes e aos olhos da história até se percebem. Dizem os historiadores que o Halloween se espalhou e atravessou o Atlântico graças à imigração de gentes da Irlanda. Agora e desde há cerca de 30 anos temos bruxas, fantasmas, abóboras e demasiadas travessuras em vez de doçuras. O som da cantilena que embalava as noites do “Pão por Deus” já faz parte da memória dos mais velhos, derrubado nas preferências dos mais pequenos por tradições que chegam de outras paragens.

Sinais dos tempos – desta era que encurtou o mundo e nos tornou mais iguais. Convenhamos que nesta área da história e tradição cultural sabe bem assumir a diferença e uma identidade única. Por isso, as memórias são doces, mas deixam um travo amargo.

Divirtam-se! Feliz Halloween!

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