Comunidade

Um achega histórico e homenagem às pioneiras dos Açores

Humberta Araujo

1954 é definitivamente o ano em que se inicia o processo emigratório de mulheres açorianas para o Canadá. A par dos registos de passaportes emitidos aos candidatos pelo Governo Civil do Distrito de Ponta Delgada, ilha de S. Miguel, estão os primeiros processos de mulheres aspirantes à emigração.
Depois de «uma experiência cautelosa e prudente», que se iniciou com os homens do Satúrnia a 8 de Maio de 1953, chega a Ponta Delgada, a 27 de Outubro do mesmo ano, uma Junta de Inspeção para dar cumprimento aos processos legais, que levariam ao Canadá, em 1954, oitocentos homens. De regresso a Ponta Delgada, o inspetor Mário Ferreira da Costa, acompanhado pelo médico José Dias Henriques, procede à 1ª inspeção dos interessados, iniciando-se uma reorganização das listas de candidatos já existentes nas Câmaras Municipais. Nestas inspeções, participavam igualmente as esposas dos futuros emigrantes. De acordo com Rui Guilherme de Morais, tradutor do comité canadiano, chefiado pelo diplomata Odilon Cormier, esta equipa trabalhou em S. Miguel durante 5 meses «ininterruptamente», enquanto que o trabalho de inspeção, nas outras ilhas, era feito pelo colaborador de Dias Henriques, dr. José Neves Belo.
É deste esforço, que resulta a escolha dos primeiros homens, que deixam os Açores em 1954. Estava-se no mês de março, quando a primeira leva de homens e suas famílias, chega ao Molhe Salazar, em Ponta Delgada. Pelas 13 horas, o navio «Homeland» atraca no porto exterior, para levar os primeiros 330 «rapazes micaelenses, sadios e fortes, cheios de vida e saúde». Um mês mais tarde, uma sexta-feira, dia 23 de abril, seguem então mais 450 homens rumo a Halifax.
De acordo com os dados oficiais, o dia 24 de janeiro de 1954, marca a saga da emigração no feminino. A primeira leva de passaportes emitidos a mulheres dá-se no dia 24 de janeiro. Quatorze registos são assinados no Governo Civil, do então distrito de Ponta Delgada. Num só dia, são então emitidos os passaportes a quatorze candidatas e vinte e quatro crianças.
Não há registo oficial do dia em que a primeira mulher partiu. Enquanto que os jornais e rádio micaelenses, registavam o adeus em massa dos homens, o silêncio é total quanto às mulheres, as quais não foram objeto da pena dos jornalistas, ou das câmaras dos fotógrafos da altura.
Ainda segundo Rui Guilherme de Morais, nem todas as primeiras candidatas que deixam os Açores, o fazem ao abrigo da lei canadiana, que favorecia a reunificação familiar. Algumas partem solteiras, usufruindo de contratos de trabalho, mormente no sector doméstico.
Berta Reis, recentemente falecida, e a quem tive a oportunidade de entrevistar, presume-se que tenha sido uma das primeiras mulheres, senão a primeira açoriana, natural da freguesia de Rabo de Peixe, a pisar solo canadiano, deste feita Montreal. Por pouco não acompanhou o marido na viagem do Homeland em 1954. Tudo porque a equipa médica “quando me auscultou percebeu que eu estava de esperanças. Mas isso eu já sabia porque a menstruação já me tinha faltado. ”
Mas quem são estas primeiras mulheres emigrantes? Algumas não sabem ‘assinar’, outras levam consigo a quarta classe. Acima de tudo, ‘acartam’ no currículo, o trabalho no campo, o manejo do gado, a apanha da lenha e das lapas, as artes da cozinha, as rendas e os bordados. Nos olhos, emigram também os verdes e azuis a perder de vista, e as lágrimas das mães e avós que ficaram; na alma o terço, o Espírito Santo, as ladainhas, as novenas, e os registos do Santo Cristo.
Enquanto esperam pela partida, as casadas, ficam à guarda dos sogros ou dos pais, obrigadas a fornecer às autoridades o nome e endereço do parente mais próximo. Algumas delas, após a partida do impenetrante – assim chamado oficialmente o homem que partia – acabam por conhecer alguma autonomia, caso provassem ser donas de bens próprios para o seu sustento. Mesmo assim, tinham de apresentar um termo de responsabilidade, assinado pelos pais ou sogros, documento este, que carecia do carimbo da Junta de Freguesia, organismo que atestava da veracidade dos termos de responsabilidade. Outras mulheres ficavam à guarda de “homens de bem”, como o caso de um comerciante micaelense, que se comprometia a “sustentar com alimentos e outros”, uma mulher, cujo marido estava emigrado.
Para aquelas, que acabavam por se reunir aos maridos no Canadá, iniciava-se uma vida de sofrimento, solidão e saudade, que a pouco e pouco se ia transformando, em muitos casos, numa autonomia pessoal, até então nunca conhecida.
Neste pequeno achega histórico, que faz parte de uma investigação mais alargada, quero deixar aqui uma homenagem às mulheres pioneiras, entre elas, Maria S. Pacheco, falecida a 9 de março de 2016, com 79 anos de idade, mãe e avó. Encontrei Maria Pacheco, durante uma exposição fotográfica, que efetuei na Casa dos Açores do Ontário, organização da qual era sócia. Reconheceu-se na foto, que aqui reproduzo, junto à mesma, tirada em Ponta Delgada, em março de 1954, quando Maria era ainda jovem, e se deslocou a Ponta Delgada para assistir à partida dos emigrantes micaelenses.
A foto, Maria Pacheco, via pela primeira vez. A sua história pessoal, que tanto queria conhecer, vai, todavia, ficar no silêncio, porque infelizmente, cheguei tarde demais.
Mas aqui fica uma sincera homenagem, e um pedido de desculpas, por não ter chegado a tempo.

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