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Quando a vida vira do avesso…

São histórias de vida contadas na primeira pessoa. Difíceis, muito duras mesmo, mas carregadas de amor e dedicação de toda uma família que se adapta à diferença que lhes marca os dias. Desde sempre e para sempre. Vidas que todos devíamos olhar de frente. Para ver e sentir. Para não ficarmos indiferentes à diferença. Vivemos todos muito “fechados” em nós próprios, conseguimos até que nos saia pela boca um ”coitadinhos” acompanhado com olhares de pena e dó. Na realidade, estas crianças/adultos que, por várias circunstâncias, são diferentes dos ditos “normais”, precisam de muito mais. Precisam que a sociedade não passe por eles “assobiando para o lado”. Precisam de apoio. Um suporte que alargue muito a fronteira do amor da família.

João Ferreira vive até hoje sem uma explicação – o filho Michael, nasceu há quase 26 anos e nos primeiros 14 meses de vida tudo parecia normal “por coincidência, acredito que é coincidência, três dias depois de levar uma vacina – mas isso… se calhar nem se deve mencionar isso porque os médicos não concordam… acredito que foi mera coincidência – estava com muita febre e estava em casa, como é normal. A mãe deu-lhe o leite, pô-lo no sofá em frente à televisão. Passada uma meia hora ele estava com espuma a sair pela boca fora, com os olhos revirados. Foi chamada a ambulância, foi internado no hospital das crianças onde pediram para induzi-lo em coma durante três dias para ver se a situação melhorava, porque estava com convulsões. Depois de três dias acordou, mas daí para cá nunca mais falou…” E a vida da família de João Ferreira nunca mais foi a mesma – “a vida muda completamente. No princípio – no meu caso, penso que a mãe é a mesma coisa – só nos vem à ideia “porquê nós? com tantos milhões de bebés que nascem, porque é que teve de acontecer connosco?” e custa a aceitar essa ideia. Principalmente, quando os médicos dizem que não encontram nada de errado a nível neurológico… nem sei explicar bem o que é que se sente.”

Michael é hoje um homem completamente dependente, apesar de caminhar, graças a muito trabalho de fisioterapia desde pequenino, não fala “a única forma de comunicação que ele tem, à qual nos fomos habituando, é através dos sons que ele faz. Se ele tem sede, se quer comer, se precisa de ter a fralda mudada ele tem uns sons para dar sinal que necessita de alguma ajuda. É a única forma de comunicação que temos com ele.”

Graça Lima depois de um trabalho de parto muito difícil na primeira gravidez, apesar do choque, até entendeu o que a vida lhe reservou – “sim… a primeira eu tive muitos problemas. Estive mais de 48 horas para ela nascer e depois acabou por ter que ser tirada a ferros. Aleijaram-na na cabeça e nós sabíamos que ela ia ficar com problemas, mas os outros sempre nos disseram que eles eram 100% normais. Agora os três não caminham, não comem pela mão deles, não falam, tem que se lhes mudar a fralda, dois já estão a comer pelo tubo o outro ainda está a comer pela colher, mas não sei por quanto tempo.”  Hoje a Sara, com 28 anos, o Kevin com 22 e o Alex com 11 enchem os dias de Graça. Desde 2001 que deixou o trabalho – “eu trabalhei até ao ano 2001. Até as babysitters dizerem que não ficavam mais com a minha filha. Ela já estava grande, andava na escola e elas disseram que não tomavam mais conta dela porque ela já estava muito grande.” E a partir daí apenas com o marido, António Lima, a trabalhar, a vida ainda se complicou mais “porque se forem duas pessoas a trabalhar a vida é outra. Há mais possibilidades. Se for só um, a gente tem que contar os cêntimos, de modo a que chegue para tudo, porque as despesas para eles são muitas. Muitas! E não há ajuda. Nenhuma! Nada!”. Até porque o rendimento da família ultrapassa o valor estipulado para as famílias poderem habilitar-se a apoio financeiro – “eu penso que eles (do governo) deviam olhar um bocado mais por isso, porque se um casal fizer mais do que $65 000 eles não dão um cêntimo à família. O que é hoje $65 000 para uma família de cinco pessoas e três em cadeira de rodas?”. Os dois filhos mais velhos de Graça, durante o dia frequentam o Centro de Hamilton da Luso Canadian Charitable Society.

Também João Ferreira sente a falta de apoio para o filho Michael – “a partir dos 21 anos a coisa fica bastante complicada. Antes de terminar a escola deram-nos uma lista de lugares onde podíamos tentar fazer com que o Michael fosse durante umas horas por dia. O problema é que depois de tentar diversos locais, para ele não ficar praticamente preso dentro de casa 24 horas por dia, a decisão foi que não tinham possibilidade porque ele necessita, segundo eles dizem, um para um – portanto, um funcionário para lidar com ele enquanto ele está nessas casas. Simplesmente disseram que não havia fundos suficientes do governo para ter uma pessoa dedicada a ele. Depois de procurar muito, houve um lugar que depois de ele ir lá um dia mandaram-me a conta de $232 e disseram que iam analisar se tinham lugar para ele ficar. Passadas umas três, quatro semanas ligaram-me a dizer que podiam aceitar o Michael, que iam fazer um preço especial. Tinha de o levar de manhã, às nove horas, ir buscá-lo às três horas da tarde e iam fazer-me um preço de $4 850 por mês. Ora, quem é que pode suportar um custo desses? Simplesmente disse que não podia, que não tinha meios financeiros para poder suportar isso”.

 

Quando a insensibilidade dói

“Não podemos sair de casa para ir a uma festa ou a um restaurante porque o Michael como não fala, a maneira de ele comunicar através de sons muita gente não compreende e até nem gosta. Portanto não podemos ir. Outra coisa é que ele começa a babar-se e há pessoas que olham com um ar de repugnância. Uma coisa que me irritou bastante foi uma rapariga com talvez uns 16/17 anos que estava junto com a família, quando viu disse “ai, que coisa nojenta” – isso para mim foi como se me dessem uma chapada na cara, ouvir aquilo.”

João Oliveira – Natural da Madeira – Dundas Travel & Tours – Pai de Michael

Quando a vida ainda consegue ficar mais difícil

“Fez um ano em setembro foi-me diagnosticado um cancro do cólon, estágio 4. Fiz a primeira operação, quimioterapia durante seis meses e já este ano em julho fui de novo operada. Agora estou a recuperar, mas o meu marido teve que ficar em casa porque não havia outra alternativa. A situação financeira ficou ainda mais difícil.  Aliás, neste momento precisava de comprar um lift (elevador) para retirar a minha filha da cama para o sofá e não temos possibilidade. Este tipo de equipamento que precisamos de comprar pode ir de quatro a $6 000.”

Graça Lima – Natural de Barcelos – Reside em Hamilton – Mãe de Sara, Kevin e Alex, todos completamente dependentes

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