Temas de Capa

“Nada dura para sempre”

José Maria Eustáquio foi presidente da Aliança de Clubes e Associações Portuguesas – ACAPO, durante mais de 20 anos. Conhece profundamente a realidade da comunidade e dos clubes. Quisemos saber a sua opinião sobre o presente, tentado perceber por onde passará o futuro da ACAPO e da comunidade portuguesa.

Milénio Stadium: Enquanto presidente da ACAPO, durante muitos anos, tomou con- tacto muito próximo com os diversos clubes luso-canadianos. Como classifica o estado atual dos clubes?

José Maria Eustáquio: Quando iniciei a minha relação com a ACAPO e a Portugal Week Celebrations em 1990, e depois com a Labatt Breweries, a ACAPO tinha cerca de 17 organizações-membro. Quando fui eleito Presidente Executivo pela primeira vez, em janeiro de 1997, passámos de 22 membros para 43 organizações ativas na ACAPO, nos meus primeiros cinco anos. Quando as Celebrações de 2002 surgiram, a ACAPO e a Portugal Week em Toronto tornaram-se no maior dia de celebração de Portugal, não só nas comunidades, mas também, na realidade, incluindo em Portugal. Em Portugal o 10 de junho é apenas mais um feriado, em que toda a gente vai para a praia. Aqui nós realmente celebra- mos com orgulho o nosso dia nacional.

Durante os mais de 20 anos que estive na ACAPO, o movimento cultural das nossas associações passou por altos períodos de participação, bem como por alguns períodos baixos em que alguns clubes desapareceram e fecharam portas. Em particular, têm sido as organizações que representam a cultura dos Açores. Aqui os factos são simples. Sendo a comunidade açoriana a mais antiga comunidade portuguesa no Canadá, com muito pouca imigração recente dos Açores, estes clubes de origem açoriana ficaram cansados e com pouca adesão. Levando a encerramentos e, em alguns casos, a criação da Casa dos Açores de Ontário centralizou os clubes açorianos sob o mesmo teto…

Entretanto, os clubes do norte de Portugal prosperaram, prosperaram e tornaram-se economicamente eficientes. Aqui as razões são muitas: a identificação cultural mais forte e o poder económico da comunidade são algumas das características do povo nortenho. Em particular, a força da indústria da construção é bem representada por muitas empresas cujos proprietários são naturais dessa região.

Em relação ao Clube Português de Mississauga? A maior parte do seu sucesso explica-se pelo facto de que em Mississauga eles são o único “jogador”. Sem nenhuma concorrência. Enquanto que em Toronto existem mais de 50 organizações. Quando se trata do resto do Ontário, a criação de um clube central português em cidades como Ottawa, Kingston, Londres, Leamington, etc., permitiu alguma vitalidade, mas diminuiu o número de membros, uma vez que essas comunidades estão a envelhecer e têm muito pouca imigração recente. Na área de Toronto, as associações que têm um grupo folclórico forte prosperaram. Agora muitos dos nossos filhos nascidos no Cana- dá voltaram-se para o folclore. Um sinal de que nossa cultura prevalecerá. Em comparação com outras comunidades europeias como a italiana, a polaca, a grega etc., a portuguesa continua a ser a mais visível e a ACAPO a única instituição que organiza a celebração do Dia Nacional.

M.S.: Uma das principais missões da ACA- PO é unir os clubes para promoverem os festejos do dia de Portugal – nomeada- mente a Parada. Visto de fora esse parece ser um trabalho muito difícil – unir o que parece estar muito desunido. Corresponde à verdade esta ideia?

J.M.E.: A ACAPO tem muitos objetivos e missões. O desfile do dia de Portugal não é o único. Acontece que é o evento em que todas as entidades da cultura portuguesa, empresas e serviços sociais no Ontário se unem. O que se deve notar é que, enquanto que a ACAPO tem, atualmente, 37 membros ativos, em junho de 2018 um total de 97 organizações / grupos participou na Pa- rada do Dia de Portugal, tornando-se assim no terceiro maior desfile no Ontário, atrás da Santa Claus Parade e Caribana. O desfile do Dia de Portugal é também o único desfile totalmente organizado por voluntários.

Quais são os outros pilares da ACAPO e o que é que realmente torna a ACAPO diferente e única? O Festival Anual de Folclore “Raízes do Nosso Povo”, que acontece durante as Celebrações da Semana de Portugal, e que reúne 26 grupos de folclore membros da ACAPO. Estes grupos folclóricos são o coração do movimento cultural Português em Ontário. Eles são os responsáveis pelo sucesso da Portugal Week.

Outro aspeto que marca a diferença e que é a minha maior realização pessoal como presidente da ACAPO é o Jantar Anual de Gala, organizado no início de cada Portugal Week. Anualmente, os membros associados da ACAPO oferecem mais de 40 bolsas de es- tudo num valor que ultrapassa os $ 75.000.

Todos os pontos destacados acima significam apenas a união entre os nossos membros. A ACAPO é forte, não perfeita, mas diferente de qualquer outra comunidade portuguesa em qualquer parte do mundo.

 

“Não há desunião”

 

M.S.: A propósito… como se justifica essa desunião, refletida no número de clubes existentes?

J.M.E.: Opiniões independentes e fortes, sim. Diferenças culturais individuais, sim. Mas, definitivamente, não há desunião…

M.S.: Fala-se muito do afastamento, ou desinteresse, das camadas mais jovens da comunidade relativamente aos clubes? Por- que é que isto acontece? É falha de quem?

J.M.E.: Quem são essas pessoas que dizem tal absurdo? Eles são voluntários, direto- res? Provavelmente não. A infeliz capacidade que a maioria dos portugueses têm é a de criticar aquilo de que pouco sabem. Em vez da negatividade, juntem-se à positividade e envolvam-se, participem, façam uma mudança na vossa comunidade, retribuindo. Juventude? Desinteresse? Os jovens de hoje têm muitas responsabilidades que os distraem. Escola, empregos a tempo parcial, vidas pessoais e redes sociais. As suas prioridades não eram a minha prioridade nessa idade. Eu gostava de retribuir através do voluntariado. Hoje isso tornou-se uma raridade e é compreensível. Eu quero que o Nicolas tenha outras prioridades. Não é culpa de ninguém… simplesmente a vida é muito ocupada.

M.S.: É habitual dizer-se que os clubes e associações luso-canadianas são os verdadeiros promotores da cultura portuguesa, mas também há quem diga que, porque muitos pararam no tempo, promovem um Portu- gal que já não corresponde à realidade dos dias de hoje. Qual é a sua opinião?

J.M.E.: A origem portuguesa foi o presente mais importante com que os meus pais me abençoaram. Somos únicos, especiais e pessoas de uma força e vitalidade cultural incrível.

M.S.: O passado da ACAPO é feito de grandes momentos, mas também muitas dificuldades, nomeadamente, financeiras. O que podemos esperar do futuro?

J.M.E.: Financeiras? Quem disse? O dia de Portugal em 1987 passou a Semana de Portugal ao longo dos anos 90 e a Mês da Cultura Portuguesa em 2010, tornando-se num evento de mais de cinco semanas. Obvia- mente, os custos aumentam. Lógico. A dificuldade passa pelo que é necessário para organizar as celebrações do mês de Portu- gal. A burocracia, a estrutura da ACAPO, o investimento em tempo e dinheiro. Para um grupo de voluntários? Torna-se mais difícil e os anos passam. E simplesmente não existem muitos José M. Eustáquio por aí dispostos a sacrificar as suas vidas …

M.S.: O que será da comunidade se um organismo como a ACAPO desaparecer? Ou, independentemente da ACAPO… que futuro terá a comunidade luso-canadiana na Grande Toronto?

J.M.E.: Na realidade…. Nada dura para sempre. Tal como as pessoas vêm e vão, o mesmo acontece com as organizações. Pessoalmente não vejo nada de errado com isso. Em seu lugar, outra coisa surgirá. Tal- vez melhor, mas definitivamente diferente. A nossa identificação cultural é forte. Nós vamos prevalecer…

Madalena Balça

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