Comunidade

Crónica de um ex- pároco desaparecido e de um jornal “sequestrado”

Humberta Araujo

Como é do conhecimento geral, a realidade é, muitas vezes, mais estranha do que a ficção. Ora, para quem gosta de histórias, de as inventar, de as ornamentar e de criar mundos fantásticos, nada melhor do que encontrar um fio, um ponto de partida, que permita rascunhar a página branca, com um enredo, que capte o/a leitor, e que possibilite uma caminhada extraordinária pela vida de um personagem, ou de uma história.

Por isso, nada mais conveniente do que dar de caras, com uma ocorrência verídica, inédita, estranha, diria mesmo um caso de polícia, bem à moda de Sherlock Holmes, que por acaso não é ficção, mas que pode certamente dar um grande romance, ou uma pequena novela.

A comunidade portuguesa em Toronto, acordou uma manhã, confrontada com dois estranhos “sequestros”: o desaparecimento de um ex-pároco, que como se diz na minha ilha, fazia parte da mobília, e com o fecho de um jornal, a Família Portuguesa, muitas vezes um instigador de filosofias e modos de vida prescritos no tempo, reminiscências de um catolicismo medieval, e promotor da subjugação da mulher a doutrinas sexistas, que neste país, já nem tinham lugar no século XX.

Apesar de tudo isto, o Jornal da Família Portuguesa fez parte da história da comunidade, pois a sua existência permite uma leitura real de uma parte importante da vida dos/as imigrantes, a partir dos finais da década de 60. Sendo, segundo informações obtidas, o primeiro jornal na comunidade, foi um elemento importante do tecido sociocultural português em Toronto. Leitura obrigatória e costumeira, onde se encontravam os eventos comunitários, as notícias de última hora, o desporto, os principais calendários religiosos e a poesia, e ainda uma atualizada e muito procurada, secção de falecimentos, cuja leitura era um suspiro de alívio, para quem não se via, ali, noticiado/a.

“O jornal surge porque o imigrante sofre traumas e desafios de isolamento e o jornal foi um equipamento de apoio. ” Disse Alberto Cunha em 1999. Assim, em 1966, o Jornal Português, para a família Portuguesa aparece em Toronto, propriedade do Padre Cunha e dirigido por Fernando Pedrosa. Mais tarde, quando Alberto Cunha, toma a direção do mesmo, muda-lhe o nome. “Começaram a surgir outros jornais, a intitularem-se jornais portugueses e nós para fazermos a diferença, escolhemos o nome Família Portuguesa.”

A Família Portuguesa, que viveu e sobreviveu às transformações nos costumes de leitura, à modernização de processos de edição e impressão, à internet e redes sociais, deixou de o ser, e de repente foi-se, num puff. Sem qualquer explicação das razões por parte da corporação proprietária e editora, o jornal desapareceu, deixando os seus leitores/as, como se costuma dizer…de boca aberta.

A figura do padre Alberto Cunha esteve envolta em muita polémica, nomeadamente em casos como o da “criação” da Santa Casa da Misericórdia do Canadá, a compra de edifícios para instalação de lares de idosos e para apoio aos mais carenciados, casas para a Terceira Idade, ,abuso, gestão financeira duvidosa, uma demissão de padre exigida por parte da arquidiocese de Toronto, e proibição de celebrar cerimónias religiosas católicas, entre muitos outros.

Mas há muitos aspetos positivos nesta passagem de Alberto Cunha pelo Canadá, nomeadamente pelo Ontário. A acreditar na memória de muitos, e em declarações do próprio, saliente-se que foi Alberto Cunha, o responsável pelo início das festas do Senhor Santo Cristo na Comunidade, o nome da primeira artéria canadiana dedicada a Portugal, o “Portugal Square”, as primeiras celebrações dedicadas ao 10 de Junho, comemoração da poesia portuguesa, lares para as pessoas da Terceira Idade, (apesar da muita polémica em seu redor), e o fundador do Família Portuguesa.

Nesta ordem de ideias, a comunidade questiona-se sobre o paradeiro ou as circunstâncias em que vive agora o Padre Alberto Cunha. Teria sido sequestrado por extraterrestres? Desaparecido no infinito da noite? Estará numa casa para a Terceira Idade, isolado numa instituição qualquer, ou com familiares? Estará doente, num hospital, ou já falecido? A última, que corre na comunidade aventa mesmo a possibilidade de que o Sr. Padre, já teria falecido. Será? Ao que parece, as tentativas de muitas pessoas, para visitarem ou saberem o que se passa com Alberto Cunha, têm sido infrutíferas. É que, apesar de tudo, Alberto Cunha tem amigos/as e conhecidos/as que gostariam, por solidariedade, de o visitar. Impedir um idoso de ter acesso e contatos com outras pessoas, borda mesmo no abuso, bem definido por lei: “Not allowing the senior to socialize, including access to telephone, friends, neighbours, or attending social gatherings”.

Seja qual for o seu estado de saúde ou paradeiro, muita gente na comunidade quer sabê-lo, e compreender também as razões do desaparecimento do Jornal a Família Portuguesa.

Natural de Braga, Alberto Cunha emigrou para o Canadá em 1961. Passou pelo Quebeque e no Ontário foi pároco na igreja de Santa Maria, a mais antiga da comunidade e Sta. Cruz. Começou a trabalhar em Kingston, com cerca de 320 famílias, a maioria dos Açores, dando ainda assistência a portugueses em Otava, e Hull no Quebeque.
Vem para Toronto, já com alguns conhecimentos das tradições religiosas e festas mais queridas dos emigrantes. A igreja de Santa Maria foi a pioneira destas celebrações no Canadá. “Quando cheguei a Toronto, havia uma capela para os portugueses na igreja de Santa Maria. Vi lá a imagem do Senhor Santo Cristo, e reparei que os paroquianos veneravam aquela imagem, que veio para cá pelas mãos de um emigrante, que tinha tido um problema na família, e fez uma promessa que, se um dia fosse atendida, colocava na capela uma imagem do Santo Cristo para mostrar que nas aflições dos emigrantes dos Açores, o Senhor Santo Cristo continua a ser evocado”. Disse à Lusa em 2015.

Com a autorização do bispo de Toronto, “foi possível realizar a primeira festa em honra do Santo Cristo em 1966, semelhante à tradição açoriana, com a parte religiosa e com a primeira banda de música, que foi criada na altura. ” Disse Alberto Cunha, numa entrevista ao Programa Gente da Nossa.
De uma forma ou de outra, com todos os seus defeitos e virtudes, Alberto Cunha deixou também um marco na comunidade, que deve ser conhecido na totalidade, e deixado para informação das futuras gerações.

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