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A Memória que nos une

 

Por. Dra. Aida Batista

 

Nasci dentro de um lagar de espanto

 André Moa, Tabuaço Dourado

 

Quase todos os meus amigos participam em encontros anuais: dos tempos de liceu, da faculdade, do curso, da tropa e até dos que, em tempos, viveram a  infância e a adolescência na mesma rua, como acontece com os que habitaram a Francisco Simões do Amaral, em Benguela, grupo a que também pertenço.

Poucos nascem da relação de pertença a uma região ou lugar (mesmo não  tendo nascido, nem lá vivido), por força de uma amizade gerada em torno de uma pessoa, o poeta André Moa, que, nos últimos anos da sua vida, se desfez em demonstrações de amor ao torrão natal – berço e lar identitários que nunca esqueceu – e as transmitiu a um punhado de amigos que, com ele, conviveram na intensidade das relações intemporais.

Uma dessas noites, num espaço aberto junto ao Ribeiro de Moa (de cujas águas bebeu o pseudónimo), hoje designado por Praça André Moa, ele declarou que, a partir daquele dia, estava criado o GT (Grupo de Tabuaço). Não se sabe o motivo de lhe ter ocorrido o nome naquele momento, mas a certeza que temos é que ali estavam terra e água que convocavam as suas raízes.

Alguns dos presentes, tal como ele, haviam nascido em Tabuaço, outros não. Mas, a partir daquele momento, passou a estar certificada nas suas cédulas da vida a mesma alegria de viver e a entrega despojada de outras intenções que não fossem o são convívio, traduzido em gargalhadas e música, que ele tão bem interpretava e cantava, em especial o fado de Coimbra.

O Douro vinhateiro, que ele viu ainda ser classificado como património mundial, era o seu lugar de eleição. Sempre que em nome dele nos revemos, é nos olhares que trocamos e nos abraços com que apertamos saudades, que evocamos o espírito das águas e os socalcos a desenharem escadarias na paisagem do chão que tanto amou.

O GT, ao contrário de outros grupos que se desfazem, quando desaparece o progenitor, ganhou força e reúne-se todos os anos, para que a cadência dos encontros mantenha viva a memória do seu criador. Sentimos muito a sua falta, mas não é na tristeza do luto que o celebramos; pelo contrário, privilegiamos a festa da amizade que ele, de forma tão genuína, soube cultivar.

Estes encontros, para além dos convívios à volta de uma mesa com as mais variadas iguarias, têm sempre uma componente cultural, da responsabilidade do anfitrião a quem, nesse ano, couber realizar o encontro.

Como foi a minha vez de cumprir esse papel, morando eu numa vila com um  rico e vastíssimo património artístico, não me foi difícil cumprir essa parte do programa, contando, para o efeito, com a colaboração e hospitalidade do Dr. Miguel Borges, presidente da autarquia do Sardoal, e do Eng.º João Soares, especialista de Arte e Restauro.

O itinerário começou pelo convento franciscano de Nª Srª da Caridade onde, após a visita à Igreja e Sacristia, foi graças à generosidade, boa vontade e especial deferência do provedor da Stª Casa da Misericórdia, Sr. Anacleto Baptista, que tivemos o privilégio de ver o Oratório Namban, peça única e de elevado valor histórico, cultural e artístico que, com relativa regularidade, viaja para ser mostrado em várias exposições internacionais, a fim de que o resto do mundo tenha acesso a tão rara e valiosa preciosidade.

João Soares não é apenas o guia competente que debita informação. Não, é acima de tudo, um grande entusiasta do que expõe, facilmente nos transportando para a época do que diz, mostra e descreve com todos os pormenores, não fora o Restaurante Zito estar à nossa espera para o almoço, cuja falta os nossos estômagos começavam já a denunciar.

Preenchidos os três dias com as mais variadas atividades, o domingo terminou com um requintado almoço, servido à volta da piscina do aldeamento de Vale Manso, debruçado sobre a imponente paisagem do rio Zêzere. Se o Douro nos juntou, outro rio, sob a ponte da barragem de Castelo de Bode, foi testemunha da nossa despedida. Entre muitos abraços, ouvíamos Zeca Afonso, perdão, André Moa, entoar “Ó ribeiras chorai/ Que não volto a cantar”.

André, querido amigo, com a ousadia que me carateriza, peço emprestadas as palavras sagradas das Escrituras, para te dizer “onde se reunirem dois ou três em teu nome, tu estarás no meio de nós”. Para sempre, como diz o refrão do nosso hino: “Eu sou GT, serei GT, sempre GT!

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