Vincent, O Vencedor
Não tenho certeza de nada, mas a visão das estrelas faz-me sonhar.
Vincent Van Gogh
Por: Aida Batista
Levei os meus netos a uma exposição na Cordoaria Nacional de Lisboa – Van Gogh Alive -, no passado sábado. Como o próprio prospeto diz, trata-se de um conceito diferente de exposição, porque quebra «a distância e o silêncio dos museus clássicos» e nos «convida a mergulhar numa experiência multissensorial única e inesquecível».
É verdade. Em vez de andarmos a percorrer salas onde, ao longo das paredes e com focos de luz ajustados ao nosso ângulo de visão, estão expostos os seus quadros, nesta, estamos permanentemente a ser surpreendidos por projeções da parte mais conhecida da sua obra, que corresponde não só às diferentes fases da sua pintura, mas também aos lugares onde viveu e a produziu.
As projeções de diferentes quadros em simultâneo, são feitas em telas gigantes dispersas pela sala, no chão e no teto, num ângulo de 360º, que nos proporciona perspetivas diferentes de acordo com o lugar em que nos posicionamos. O nosso olhar, em vez de quieto e focado, como é normal perante qualquer quadro, vê-se desafiado a mover-se de um lado para o outro, procurando imagens nas telas, no chão, no teto, e até por trás das costas, como se nos fosse possível atravessar os quadros, passando de uns para outros.
É nestas alturas que abençoamos todos os avanços de uma tecnologia que nos permite visionar, a várias dimensões, as obras mais icónicas do autor, através da simbiose entre o clássico e o contemporâneo.
Por sua vez, a banda sonora, que acompanha toda a projeção, foi escolhida de modo a combinar-se com a pintura e a transmitir-nos as emoções de cada uma delas, como se cada quadro fosse a nota de uma pauta musical. As frases que, de vez em quando, vão aparecendo escritas no teto, estão igualmente em consonância com o que é projetado, numa harmonia perfeita entre palavra, imagem e som. No caso da frase que utilizei como epígrafe, somos surpreendidos pela passagem repenina de um céu estrelado que, ao parecer desabar sobre nós, apetece tocar.
Durante o tempo que o espetáculo dura – sim, classifico-o de espetáculo – estamos recostados ou até mesmo deitados em «puffs» espalhados pela sala. Parece de somenos importância o pormenor de lá estarem estes acessórios, mas não é! A posição em que estamos, completamente descontraídos e em ambiente climatizado, convida à contemplação, ao alheamento do mundo exterior, para o que também contribui a escuridão da sala. A determinado momento, irrompem bailarinas que, de negro vestidas e ao ritmo música, executam movimentos de dança contemporânea, como se dançassem em cima e dentro das telas, acrescentando-lhes uma outra linguagem.
Podemos lá ficar o tempo que quisermos e apreciar tudo de outros ângulos, de modo a termos experiências diferentes. Os meus netos que, pela formação que tem, já conhecem uma parte da obra de Van Gogh, gostaram deste novo conceito de cruzar a pintura com todos estes efeitos especiais que o digital permite, e torna a obra bem mais apelativa para os jovens.
Foram eles que me chamaram a atenção para o facto de o identificarmos sempre como Van Gogh, sendo que é o apelido que dá o nome ao museu de Amesterdão e serve para designar toda a obra, enquanto ele assinava apenas como «Vincent».
Ora, Vincente vem do latim e é particípio passado do verbo «vincere» (vencer), o que faz com que, literalmente, Vincente seja quem vence, o vencedor!
Ao contrário, Vincent, considerado um psicótico para a época, não foi um vencedor nem a sua obra apreciada. Esta só foi reconhecida após o suicídio, igualmente envolto em grande polémica, segundo os seus biógrafos. No entanto, a humildade da sua assinatura seria já premonitória de que a História da Pintura, o iria reconhecer como um dos mais importantes pintores de todos os tempos.
Por isso, por trás do apelido Van Gogh, estará sempre o autógrafo Vincent, o Vencedor!
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