Açores

Urbano Bettencourt lança novo livro

Urbano Bettencourt, poeta e escritor com várias obras publicadas, nascido no Pico, licenciado em Filologia Românica, colaborador de vários jornais, revistas e televisão, vai lançar a 27 de Setembro, em Ponta Delgada, “Com Navalhas e Navios”, mais um rasto, como ele diz nesta entrevista, de uma longa caminhada na escrita.
Diário dos Açores: “Com Navalhas e Navios”, a publicar no final deste mês, o Urbano Bettencourt cumpre cinco décadas de escrita. A nova obra é o retrato desta longa caminhada? 
Urbano Bettencourt: Comecei a escrever e a publicar nos jornais, alguns anos antes de chegar ao primeiro livro em 1972, que já não incluiu todos os meus poemas da altura. E neste novo livro procedo a mais uma selecção e deixo apenas aquilo que eu pretendo venha a ficar como o rasto dessa caminhada, embora em processo inacabado: além dos poemas banidos do conjunto, deixei de fora os textos em prosa poética e algumas narrativas curtas que integravam os livros originais; vou reuni-los em livro próprio e então aí estaremos mais próximos do que foi a minha escrita poética ao longo deste tempo.
Diário dos Açores:  Porquê este título? Leva-nos aonde? 
Urbano Bettencourt: O título recupera e adapta a expressão colhida no poema «Pastagem com homens dentro», que pode passar como glosa, um pouco bruta e cruel, ao mais célebre poema de Pedro da Silveira; leva-nos por isso à Califórnia, mesmo que nalguns casos esta se manifeste apenas como objecto de desejos anavalhados, mas, numa perspectiva mais pacífica também pode trazer-nos de lá aquelas «navalhinhas» que vinham na bagagem dos regressados para presentear amigos mais próximos. No contexto mais vasto do livro, é possível que as navalhas tenham passado já à categoria de «armas brancas», indissociáveis, portanto, da violência que em diversos momentos o livro acusa poeticamente.
Diário dos Açores: “De raiz de mágoa” a “Que paisagem apagarás” vai uma grande distância apenas na duração ou também no estilo?
Urbano Bettencourt: O tempo faz-nos crescer e divergir, a nossa compreensão do mundo altera-se, a relação que mantemos com a linguagem torna-se mais aprofundada, mais exigente e também permeável ao contacto com a escrita do mundo – e essas coisas reflectem-se no modo como em cada momento olhamos para a nossa própria escrita e para aquilo que pretendemos com ela. Razões mais do que suficientes para excluir poemas iniciais, em relação aos quais me sinto desconfortável, incomodado mesmo com o seu excessivo voluntarismo, embora isso não me impeça de reconhecer que há um certo ponto de vista crítico e irónico que vem desde o início e que alguns temas se prolongam no tempo sob discursos diferenciados entre si.
Diário dos Açores: A poesia hoje está diferente? 
Urbano Bettencourt: A minha está, seguramente. E, no geral, está diversa, como o comprova a recente antologia A Garganta Inflamada, que reúne poemas de 33 autores de língua portuguesa editados pela Companhia das Ilhas entre Maio de 2012 e Maio de 2019. Aspectos já referidos na resposta anterior, bem como a função atribuída por cada um à poesia e ao seu lugar na sociedade e no espaço público justificam essa diversidade.
Diário dos Açores: Temos que publicar mais antologias de autores açorianos? 
Urbano Bettencourt: Podemos pensar em termos individuais e em termos colectivos. No primeiro caso, importa referir o que tem acontecido quanto à obra de autores já falecidos e que vão sendo recuperados lentamente. No ano passado saiu na Companhia das Ilhas a «Poesia Reunida», de José Martins Garcia, no âmbito da reedição da obra completa deste autor picoense. Há cerca de quatro ou cinco anos, a SREC promoveu a edição da Obra Completa de Emanuel Félix; já este ano a Imprensa Nacional publicou «Alexandrina, como era», todos os poemas de J. H. Santos Barros, o grande poeta da minha geração que andou demasiado tempo arredado dos leitores. A Companhia das Ilhas em parceria com a Imprensa Nacional está a reeditar a obra de Vitorino Nemésio. E o IAC acaba de apresentar «Fui ao mar buscar laranjas», que reúne a poesia completa de Pedro da Silveira, uma iniciativa de grande alcance em virtude da qualidade literária do autor. Em termos colectivos, e no âmbito dos Colóquios da Lusofonia, a Calendário das Letras editou a antologia 9 ilhas 9 escritoras – organizada por Helena Chrystello e Rosário Girão, responsáveis também pela Antologia Bilingue de Autores Açorianos e ainda pela Antologia de Autores Açorianos Contemporâneos (dois volumes de poesia e prosa). Tudo isto já representa um contributo importante para a divulgação e conhecimento do cânone literário açoriano, mas há nomes que precisam de ser de novo trazidos ao contacto do público, como o do poeta J.H. Borges Martins, para referir apenas um nome de momento. Em termos de modelo antológico, parecem-me uma boa solução os Cadernos de Santiago, projecto desenvolvido na Madeira por um grupo de professores e escritores: cada autor antologiado tem espaço para uma sequência poética representativa e coesa, seguida de uma leitura crítica feita por um convidado, o que significa um avanço a vários níveis em relação ao modelo habitual, com ganhos literários e de leitura. “Uma cidade ama-se. Ou odeia-se. E compreendê-la?” (“Algumas das Cidades”, 1995).
Diário dos Açores: Um homem do Pico, da Ponta da Ilha, é universal? Compreende a Cidade onde vive ou a nostalgia dos lugares inspira? 
Urbano Bettencourt: Creio que a vida me tornou imune ao complexo do universalismo e ao, ainda mais doentio, complexo do cosmopolitismo. Apesar do espaço e do isolamento, a Ponta da Ilha ficava a um palmo de S. Jorge e a um pouco mais da Terceira, avistável em dias de luz crua. E tirando bem o rumo a leste podia ainda chegar-se a S. Miguel, donde viera o meu bisavô Rebelo e a que eu acabaria por aportar duas vezes, a segunda tornada definitiva. No Calhau passavam barcos e gentes, vozes diferenciadas como outros tantos sinais da diversidade do mundo, chegavam os jornais da comunidade açoriana na Califórnia prolongando o espaço insular para lá do horizonte e estabelecendo uma espécie de proximidade e de convívio virtual. E de um lado e de outro do território havia ainda os universos especiais da Calheta e de Santo Amaro, entre a baleação e a construção naval, pretexto de viagens, em suma. Tudo isso atravessa a minha poesia como sombra dos lugares e se articula com a sombra de outros lugares mais extensos e abertos, mais violentos também, por vezes; é a matéria residual que em parte a alimenta. Mas em termos puramente empíricos sou um homem de cidades, em cujas dinâmicas (paradoxais, por vezes) me formei, e sem grandes nostalgias de um campo que já não existe senão como memória desfigurada de nós próprios.
Diário dos Açores: Como vai ser apresentado e divulgado “Com Navalhas e Navios”? 
Urbano Bettencourt: Para já, com uma sessão na Livraria Solmar, a 27 de Setembro ao fim da tarde. Além das intervenções protocolares, o meu amigo e poeta Fernando Martinho Guimarães apresentará a sua leitura, interpretação, do livro, e os meus amigos José Carlos Jorge e Maria Fátima de Sousa lerão alguns poemas, à semelhança do que já fizeram, em contexto mais alargado, na apresentação de África frente e verso. O resto será um processo em desenvolvimento.

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