Açores

Tribunal de Contas deteta irregularidades na autarquia da Lagoa

O Tribunal de Contas (TC) fez uma auditoria à Câmara Municipal da Lagoa por não ter seguido recomendações anteriores do organismo fiscalizador, abrangendo as presidências de João Ponte e Cristina Calisto. Em causa estão subsídios atribuídos ao Operário da lagoa e a algumas paróquias do concelho. O TC faz uma série de recomendações que a Câmara Municipal terá que corresponder até ao final do ano. Poderá haver sanções aos autarcas envolvidos. Transcrevemos a seguir as principais conclusões da auditoria.

“O Município da Lagoa não acolheu as duas recomendações objecto de acompanhamento. Com efeito, em relação à 6.a recomendação formulada no Relatório n.o 19/2009- FS/SRATC, de 03-12-2009, verificou-se que, apesar de o Município dispor de um “Regulamento Municipal para a Concessão de Subsídios”, os procedimentos aí previstos não foram efectivamente aplicados nos processos objecto de análise, referentes ao Clube Operário Desportivo e às Fábricas das Igrejas Paroquiais de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora dos Anjos, abrangendo os exercícios de 2013 a 2016, na medida em que:

– As deliberações da Câmara Municipal que aprovaram a concessão de apoios financeiros às referidas entidades foram tomadas na sequência de propostas apresentadas pelo Presidente da Câmara Municipal, por sua iniciativa, não existindo evidências documentais de que os correspondentes pedidos de apoio tenham sido objecto de análise prévia pelo serviço municipal competente, conducente à formulação de uma proposta de decisão devidamente fundamentada e sustentada, a submeter à apreciação do órgão executivo, em conformidade com o previsto no artigo 6.o do citado Regulamento.

– Os pedidos de apoio apresentados não se encontravam adequadamente instruídos, faltando alguns dos elementos essenciais elencados no artigo 5.o do Regulamento. De assinalar que nos processos relativos ao Clube Operário Desportivo não constavam quaisquer pedidos de apoio.

– Os contratos-programa que formalizaram a concessão dos apoios não especificavam as actividades ou projectos a desenvolver, nem a natureza das despesas a financiar, o que impede o controlo efectivo da aplicação das verbas atribuídas.

– A remessa dos comprovativos de despesa por parte das entidades beneficiárias processava-se sem qualquer critério de ordenação e, em alguns casos, desacompanhados dos correspondentes documentos de quitação.

Subsistiam as deficiências ao nível do sistema de controlo interno, nesta vertente de actuação do Município, já constatadas em anterior ação de fiscalização e que tinham motivado a formulação da recomendação em apreço, a qual não foi acolhida, sem motivo justificativo.

Subsídios para pagar dívidas do Operário

No que concerne à 3.a recomendação formulada no Relatório n.o 17/2012- FS/SRATC, de 18-12-2012, no sentido do Município da Lagoa pro- mover a observância estrita do regime legal do endividamento municipal e, em conformidade, adoptar medidas para sanar de forma consistente e definitiva as situações relacionadas com a assunção de encargos com o serviço da dívida de empréstimos formalmente contraídos por entidades privadas, obtiveram-se evidências de que a mesma também não foi acatada.

Assim, em 2013, apurou-se que a Câmara Municipal atribuiu ao Clube Operário Desportivo o montante de 62 000,00 euros, dos quais foram pagos 30 388,48 euros, verba que foi aplicada na satisfação do serviço da dívida de um empréstimo de 500 000,00 euros contraído pela referida entidade em 2005, com a finalidade de financiar a colocação de um piso sintético no campo de jogos municipal João Gualberto Borges Arruda.

De igual modo, verificou-se que, entre 2013 e 2016, os encargos emergentes dos empréstimos contraídos pelas Fábricas das Igrejas Paroquiais de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora dos Anjos – respectivamente, em 2010, no montante de 190 000,00 euros, e em 2011, na importância de 125 000,00 euros, ambos aplicados na aquisição de imóveis – continuaram a ser financiados por verbas provenientes do orçamento municipal.

79 mil euros para as Fábricas de Igrejas

Em 2013, o Município da Lagoa procurou dissimular tal facto, procedendo às transferências através das Juntas de Freguesia de Nossa Senhora do Rosário e de Água de Pau, mediante o reforço das verbas para a construção de muros e passeios, no âmbito do processo de delegação de competências nas Freguesias, mas que na realidade se destinavam às Fábricas das Igrejas Paroquiais de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora dos Anjos, as quais receberam, por esta via, 11 500,00 euros e 5 100,00 euros, respectivamente.

Nos exercícios subsequentes, o Município da Lagoa passou a transferir directamente para as Fábricas das Igrejas Paroquiais as verbas destinadas ao financiamento dos referidos encargos, através da celebração de contratos-programa anuais, ao abrigo do “Regulamento Municipal para a Concessão de Subsídios”, onde apenas se refere, quanto à finalidade, que se destinam a comparticipar financeiramente a execução dos respetivos planos anuais de actividades.

Entre 2014 e 2016, foram transferidos do orçamento municipal mais 79 100,00 euros, sendo 41 500,00 euros para a Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Rosário e 37 600,00 euros para a Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora dos Anjos. Os factos descritos são suscetíveis de gerar responsabilidade financeira dos membros da Câmara Municipal que, entre 2012 e 2016, votaram favoravelmente as deliberações que autorizaram apoios para o Clube Operário Desportivo e para as Fábricas das Igrejas Paroquiais de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora dos Anjos, destinados a financiar encargos emergentes de empréstimos bancários contraídos pelas referidas entidades.

As recomendações do Tribunal

Tendo presente as observações constantes do presente Relatório e face às respostas obtidas em sede de contraditório, considera-se pertinente recomendar ao Município da Lagoa o seguinte, reiterando, em parte, a 6.a recomendação formulada no Relatório n.o 19/2009- FS/ SRATC, de 03-12-2009, relativa à aplicação dos regulamentos municipais sobre a atribuição de apoio, e a 3.a recomendação formulada no Relatório n.o 17/2012-FS/SRATC, de 18-12-2012, sobre o regime legal do endividamento municipal:

Suspender a aplicação do Regula- mento Municipal para a Concessão de Subsídios do Município da Lagoa e, consequentemente, cessar a atribuição de apoios financeiros, sob qualquer forma, até que estejam reunidas as seguintes condições mínimas:

1.a Alteração do Regulamento de modo a prever, expressamente:

– A proibição da atribuição de apoios que envolvam a assunção, directa ou indirecta, de encargos com o serviço da dívida de empréstimos formalmente contraídos por entidades privadas;

-O aperfeiçoamento do conteúdo dos contratos-programa ou outros instrumentos que formalizem a concessão de apoios financeiros, prevendo uma clara e completa especificação das actividades ou projectos a desenvolver, assim como da natureza das despesas a financiar, de modo a que possa ser exercido um controlo efectivo da aplicação das verbas atribuídas;

– A obrigatoriedade das entidades beneficiárias comprovarem documentalmente a aplicação das verbas recebidas nas finalidades a que se destinam;

– A informação periódica à Câmara Municipal sobre os resultados do controlo feito à aplicação dos apoios atribuídos.

2.a Dotar os serviços municipais dos meios necessários, estabelecer os circuitos e definir as responsabilidades para a efectiva aplicação do Regulamento, designadamente quanto à análise e selecção das candidaturas e ao controlo da aplicação das verbas atribuídas.

Com o acatamento das recomendações formuladas, o Tribunal de Contas espera impactos positivos no cumpri- mento da legalidade e na melhoria da gestão financeira pública, da transparência e da responsabilidade.

Os empréstimos contraídos pelo Operário e pelas Fábricas

Em 2005, o Clube Operário Desportivo contraiu um empréstimo de longo prazo, no montante de 500 000,00 euros, com a finalidade de financiar a colocação de um piso sintético no campo de jogos municipal João Gualberto Borges Arruda.

Este empréstimo, que se venceu em 2015, foi garantido por livrança em branco e carta de conforto, esta última subscrita pelo Presidente da Câmara Municipal da Lagoa, em nome da Câmara Municipal .

Na carta de conforto, foi expressada a concordância com as condições negociadas e assumido o compromisso do Município transferir para o Clube Operário Desportivo as verbas necessárias à satisfação do serviço da dívida do referido empréstimo .

A Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora do Rosário contraiu, em 2010, um empréstimo de longo prazo, no montante de 190 000 euros, destinado à aquisição de imóvel para apoio à ação pastoral. Este empréstimo, que atinge a maturidade em 2030, foi garantido por hipoteca, livrança em branco e carta de conforto, esta última subscrita pelo Presidente da Câmara Municipal da Lagoa, em nome da Câmara Municipal . Na carta de conforto, foi expressada a concordância com as condições negociadas e assumido o compromisso do Município proceder directamente ao pagamento dos encargos emergentes do referido financiamento .

Em 2011, a Fábrica da Igreja Paroquial de Nossa Senhora dos Anjos contraiu um empréstimo de longo prazo, no montante de 125 000,00 euros, igualmente destinado à aquisição de um imóvel para apoio à ação pastoral. Este empréstimo, que atinge a maturidade em 2021, foi garantido por livrança em branco, hipoteca e penhor sobre direitos de crédito decorrentes de aplicações financeiras .

De assinalar que, no âmbito dos trabalhos de campo da auditoria que deu origem ao Relatório n.o 17/2012- FS/SRATC, o Presidente da Câmara Municipal tinha manifestado a intenção de sanar estas situações.

Mais apoios financeiros

Em 2013, o Município da Lagoa concedeu ao Clube Operário Desportivo apoios financeiros que totalizaram 99 364,96 euros, com as finalidades descritas no Quadro I, supra.

Na sequência da análise efectuada à documentação constante dos diver- sos processos, suscitaram-se dúvidas relativamente à efetiva aplicação das verbas atribuídas para financiamento das obras no campo de jogos municipal João Gualberto Borges Arruda, no montante de 62 000,00 euros, atribuídas por deliberação da Câmara Municipal da Lagoa, de 10-01-2013, por proposta do Presidente da Câmara Municipal.

É de assinalar, antes de mais, que a atribuição deste apoio ocorreu sem que tivesse sido celebrado o correspondente contrato-programa, facto que contraria o disposto no n.o 1 do artigo 5.o do Decreto-Legislativo Regional n.o 21/2009/A, de 2 de dezembro.

Da referida verba, apenas foi processada e paga a quantia de 30 388,48 euros , a coberto das ordens de paga- mento identificadas.

Apesar da deliberação da Câmara Municipal referir, expressamente, que os pagamentos seriam efectuados «… mediante a apresentação dos documentos justificativos da respectiva despesa (…) em função da execução dos trabalhos…» , verificou-se que as ordens de pagamento n.os 388, 683, 700 e 982 não estavam documentadas nos moldes exigidos, contendo apenas a menção “arrelvamento”.

Por seu turno, as ordens de pagamento n.os 5 e 55 , totalizando 10 129,40 euros, estavam acompanhadas dos justificativos das despesas financiadas , que consistiam nas notas de lançamento emitidas pelo banco, relativas ao pagamento de duas prestações do mencionado empréstimo bancário contraído em 2005 .

O Clube Operário Desportivo deu quitação das verbas recebidas, através da emissão de três recibos , no montante global de 30 388,48 euros, com a indicação de que a despesa comparticipada estava relacionada com o arrelvamento do campo de jogos.

No decurso dos trabalhos de auditoria, solicitou-se ao Município da Lagoa a disponibilização dos documentos justificativos da aplicação da totalidade das verbas concedidas à referida entidade, em 2013. Todavia, os elementos facultados, para além de excederem as importâncias atribuídas no exercício em causa, não continham qualquer referência às mencionadas obras de arrelvamento .

Instada a esclarecer o assunto, a Presidente da Câmara Municipal ale- gou, em síntese, que se tinha tratado de um lapso, assegurando que a verba de 30 388,48 euros foi efectivamente transferida com aquela finalidade.

Acontece que, já anteriormente, entre 2005 e 2012, tinham sido atribuídas verbas ao Clube Operário Desportivo, totalizando a quantia de 494 899,00 euros , sempre destinadas às obras de arrelvamento.

Sendo improvável que o piso sintético do campo de jogos municipal João Gualberto Borges Arruda tenha sofrido obras anualmente, procurou- se clarificar o verdadeiro propósito da atribuição daquelas verbas.

Os esclarecimentos prestados pelo então Presidente da Câmara Municipal, no decurso da reunião camarária de 08-01-2010, em que foi deliberada a atribuição de um apoio financeiro de 70 000,00 euros ao Clube Operário Desportivo, ajudam a elucidar esta questão. Com efeito, interpelado por alguns membros do órgão executivo acerca da aplicação que seria conferida a tal verba, aquele responsável referiu que a mesma «… não se [destinava] a novas obras no campo de jogos, mas sim a apoiar o pagamento das obras de arrelvamento do Campo de Jogos, realizadas em 2005, pelo Clube Operário Desportivo» .

Em linha com esta afirmação, apurou-se em anterior ação (Relatório n.o 17/2012-FS/SRATC, de 18-12-2012) que as obras foram financiadas com o produto de empréstimo contraído pelo Clube Operário Desportivo em 2005 e que os encargos com esse empréstimo estavam a ser suportados por verbas do orçamento municipal. Portanto, a atribuição de apoios para obras de arrelvamento significa, na realidade, o pagamento do serviço da dívida de empréstimo contraído pelo Clube para a realização dessas obras.

No referido Relatório recomendou- se ao Município que sanasse de forma consistente e definitiva as situações em que tinha assumido os encargos do serviço da dívida de empréstimos formalmente contraídos por entidades privadas.

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Fonte
Diário dos Açores

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