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Recentrar o PSD

Manuela Aguiar
Correspondente em Portugal

1 – A democracia portuguesa fez-se, no pós 25 de abril, com a criação de partidos, que procuraram o máximo de distância em relação ao regime deposto de ultra-direita: o PSD de Sá Carneiro solicitou a adesão à Internacional Socialista, que não conseguiu por oposição do PS ; o CDS, antes de se tornar PP, considerava-se “rigorosamente ao centro”; o PS, no “slogan” dos comícios e das marchas cívicas, proclamava-se como “partido socialista, partido marxista”.
Ao longo dos anos seguintes, o marxismo do PS, o esquerdismo do PSD e o centrismo do CDS foram-se diluindo, numa progressiva conformação à realidade sociológica dos respetivos eleitorados, enquanto o PCP permanecia bastante igual ao que era nos primórdios da revolução. Comum a todos era, porém, a existência de tendências ou alas, umas mais visíveis e ativas do que outras (em alguns casos levando à dissidência). Na verdade, podíamos dizer que a esquerda do CDS confinava com a direita do PSD e a esquerda do PSD com a direita do PS… Divergindo, embora, numa pluralidade de domínios, estes três partidos partilhavam a crença na democracia representativa, e na pertença à CEE e à Aliança Atlântica. Não por acaso, é nesta última área que o atual governo do PS, apoiado numa esquerda anti-europeísta e anti-NATO, tem encontrado maiores dificuldades – das quais se fala pouco, porque nem os “media” nem a opinião pública nacionais lhes dão a devida relevância.
A esta maioria encontrada no Parlamento não falta, pois, legitimidade, nem boa articulação institucional, em particular com o Presidente da República e, também, a nível da política interna da UE, e nem sequer lhe falta aceitação popular. O seu “calcanhar de Aquiles” é, a meu ver, a impossível concordância em matérias fundamentais de política europeia e internacional, sobretudo no que respeita aos compromissos europeus e atlânticos de segurança e defesa. Eis o que não lhe augura um grande futuro para além de 2019, embora seja justo realçar que com a sua existência se abriu, em Portugal, o leque das alternativas plurais, à esquerda e à direita.
2 – Os partidos podem e devem evoluir, procurar novos projetos e relações interpartidárias, novos intérpretes das suas doutrinas. Não devem é romper com princípios fundamentais, ultrapassando o ponto fatal da descaracterização e perca sua identidade. O PSD do passado recente estava, na minha ótica, em cima de linha de fronteira, se é que a não tinha já ultrapassado. Penso na sua governação, nas políticas de austeridade, (impostas de fora, mas só até certo ponto) que atingiram, em particular, jovens forçados a emigrar em massa, reformados, funcionários públicos e trabalhadores por conta de outrem, pauperizando as “classes médias” e os mais desfavorecidos. Políticas que só não foram bastante mais longe porque o Tribunal Constitucional o não permitiu…Tivesse esse PSD formado governo, de 2015 em diante, e os mesmos continuariam, previsivelmente, a pagar a parte de leão do preço da austeridade – em primeira linha, os pensionistas (a “peste grisalha” na expressão sintomática de um jovem militante deste PSD). Fora do campo económico, discurso não menos extremista – contra cidadãos portugueses de etnia cigana – foi impunemente permitido a candidatos autárquicos, a par de tomadas de posição da bancada parlamentar contra o alargamento dos direitos dos estrangeiros, nomeadamente em matéria de nacionalidade. Impossível, no passado, com Sá Carneiro, com Mota Pinto, com Balsemão e, no futuro, (assim o espero), com Rui Rio! O “passismo”, ou, pelo menos a sua fação mais radical, parece-me mais próximo” do “Tea-party” do que da CDU de Angela Merkel! Nada tinha a ver tinha comigo, que nunca escondi afinidades com o PSD sueco ou alemão ou com os Liberais do Canadá e dos EUA….
3 – Todavia o deslizamento direitista no PSD começou muito antes do advento do “passismo”, acentuando-se com a ascensão ao poder dos líderes da “Nova Esperança”, primeiro no partido, em fins do século XX, e, seguidamente, no governo.
A “Nova Esperança”, relembro, surgiu em meados dos anos oitenta para combater Mota Pinto e o chamado Governo do “Bloco Central”. Os seus nomes mais sonantes eram (os então mais jovens e mais aguerridos) Santana Lopes, Marcelo Rebelo de Sousa e Durão Barroso. Com Marcelo, o PSD abandonou a Internacional Liberal e Reformista, a que pertencia desde o tempo de Sá Carneiro, e aderiu ao PPE, onde hoje coexiste com o CDS. Com Barroso envolveu-se na trama da guerra do Iraque e com Santana num governo de má memória.
A questão do Bloco Central foi agora, por sinal, uma das que maia visivelmente separou Rui Rio de Santana Lopes. Outras razões havia, mas esta bastava para decidir o meu voto a favor de Rio. Acredito que ele tornará viável o diálogo interpartidário para as tão faladas e sempre adiadas “reformas estruturais, quer o governo seja PSD, quer seja PS. Diálogo sem complexos, sem excluir, eventualmente, outros parceiros, à esquerda ou à direita.
O presidente eleito do PSD vai, com certeza, recentrar o partido, (onde passarei a reconhecer-me, como dantes!). E vai, muito provavelmente, contribuir para recentrar toda a vida política portuguesa.

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