ComunidadeMúsica

Entrevista exclusiva com Camané

Camané

 “Estar no fado é uma decisão de vida, uma opção”

 

    Por: Paulo Perdiz

 

Novo álbum de Camané, numa homenagem a Alfredo Marceneiro, é editado em outubro. Camané, um dos melhores fadistas portugueses distinguido já com três prémios Amália, venceu por duas vezes a Grande Noite do Fado de Lisboa, em juniores e seniores, e, ao longo do seu percurso, passou por várias casas de fado e grandes salas um pouco por todo o mundo.

 Como é que surge a ligação do Camané ao fado? Nasce-se fadista?

Aconteceu tudo por acaso, o meu avô era perto da vila da Murtosa e foi para Lisboa e compôs algumas músicas e também era fadista. Então ficou na tradição da minha família, cantarmos fado…eu o meu pai o meu avô. O meu pai nunca cantou o fado profissionalmente eu comecei a cantar primeiro do que ele profissionalmente. É engraçado porque comecei a cantar com músicos e guitarristas profissionais muito primeiro do que ele. O meu pai tinha uma enorme coleção de discos de fado e eu com sete anos ouvia. Ouvi muito e cheguei á conclusão que poderia cantar. Tinha como referência os grandes fadistas, a Amália, o Marceneiro, o Carlos do Carmo, o Fernando Maurício…então naturalmente, comecei a perceber que conseguia cantar repetindo o que ouvia numa forma muito natural. Depois o fado ia crescendo comigo. Aquela característica de canto, que tem a ver com o fado, ficou na minha memória musical e depois sempre que cantava era com essa característica de fadista.

 Em 1979 participou pela segunda vez na Grande Noite do Fado, vencendo. Como foi para si essa vitória quando ainda era tão novo?

Sim já tinha vencido na primeira vez que tinha participado. Mas naquele ano que eu ganhei pela primeira vez fui considerado a revelação do ano mas não havia concurso, dois anos a seguir voltei e ganhei a noite do fado.

 Já foi imensas vezes ao estrangeiro. Como é que acha que lá fora recebem um estilo tão próprio como o Fado?

Acho que recebem muito bem. Acho que a música ultrapassa a barreira da língua. Ultrapassa tudo. Á dias, estive a cantar na Suíça alemã numa festa particular. De repente eles ficaram ali a noite toda a cantar quase duas horas. Uma coisa fantástica. Em todo o lado, na China, Alemanha, Bélgica, Estados Unidos as pessoas gostam. É como nós quando ouvimos uma música e não percebemos a língua mas gostamos. Quando era miúdo comecei a ouvir música e não percebia francês mas adorava ouvir o Charles Aznavour, o Sinatra, os Beatles e não percebia nada. Era mesmo a emoção da música que passava. Isso é receber bem a música.

 Atualmente o fado está na moda e é cada vez mais popular no público jovem. A que se deve esta mudança?

Acho que houve um preconceito em relação ao fado que foi ultrapassado. Existe muitas pessoas que vão para o fado com aquela ideia de fazer sucesso. Acham que com o fado conseguem tocar fora do país sendo Portugal um país pequeno e que existe um interesse pelo fado no mundo inteiro. Não é essa a razão mais importantes de estar no fado. Estar no fado é uma decisão de vida, uma opção. Para mim foi. Na altura que eu comecei a cantar fado o mesmo fado não estava na moda.

 Portugal já mudou a sua atitude perante o fado?

Acho que sim. E muito mesmo.

O novo álbum do Camané, integralmente constituído por fados de Alfredo Marceneiro (1891-1982 vai ser editado brevemente. Alfredo Marceneiro é o seu ídolo do fado?

É um dos meus ídolos do fado claro. Eu sempre cantei fados do Marceneiro com letras novas como a grande Amália fez com a “Estranha forma de Vida” em fado bailado, o Marceneiro cantava outra letra. Eu cantei o “Bailado” e o “Cravo” com outras musicas e outros poemas. Sempre tive aquela ideia que quando tivesse maturidade gostaria de cantar as letras que o Marceneiro cantou. Acho que tem uma linguagem incrível, histórias incríveis de poetas populares que escreviam muito bem. Senti e achei que chegou a altura de o fazer mas claro que primeiro tive que fazer o meu caminho e fazer o meu percurso para depois mais tarde fazer este disco.

 Houve uma adaptação dos temas do Marceneiro a um estilo mais seu?

Sim claro sou eu que os canto. É a minha visão daqueles fados, embora claro que tenho a referencia o Marceneiro que é impossível não ter mas o que se ouve ali sou eu mesmo.

 O álbum esteve inicialmente previsto para ser editado em maio último, mas foi adiado. Foi uma opção sua?

Sim foi uma opção minha e da editora. Eu estive uns tempos a viver nos Estados Unidos mais concretamente quatro meses, mas nunca deixei de dar concertos. Andei a fazer «piscinas» daqui para Boston durante quatro meses. Vinha para Lisboa  apanhar aviões para todo o lado. Toquei na China, no Brasil por muitos lados. Vinha sempre a Portugal para fazer as viagens. Claro e os concertos aqui. Foi uma experiencia óptima. Então o disco acabou por ser adiado devido a esta vida de constante trabalho. Agora acho que é a devida altura para o disco sair.

 Neste novo trabalho existe um dueto com Carlos do Carmo.

Sim. É a primeira vez que tenho um convidado num disco meu. Nos meus discos nunca tive convidados. Tenho uma relação com o Carlos do Carmo á muitos anos de amizade e de muita admiração que tenho por ele. Neste disco achei que o Carlos era a pessoa ideal para cantar comigo porque ele é a pessoa que tem mais conhecimentos daquela vivência e conheceu o Marceneiro. Ele esteve muito ligado á produção de um dos filmes mais incríveis sobre fado feito pelo Marceneiro e o Carlos teve uma grande ligação e envolvência muito grande nessa altura nessa produção. E além disso é o melhor fadista de sempre.

 Este novo trabalho tem outra coisa muito especial. A capa do disco foi desenhada pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira. Como chegou a essa ideia?

Eu não tive essa ideia. A ideia não é minha. Foi alguém que conversou com ele que disse que eu estaria a fazer um disco sobre o Marceneiro. Quando eu soube que ele já tinha feito a capa foi através da minha editora a Warner. Perguntaram se eu gostava da ideia e claro gostei imenso. A ideia não foi minha foi alguém da Warner que conversou com ele. Ele mostrou se bastante interessado em fazer e de ter a capa do disco e seria uma experiencia nova de ter um objecto cultural feito por ele. Eu recebi muito bem a ideia mas não foi uma coisa pensada eu nem conhecia o arquiteto Álvaro Siza Vieira pessoalmente. Foi uma coisa que aconteceu por acaso e que nos uniu um pouco.

Paulo Perdiz e Camané

 

 Como nos anteriores trabalhos, conta com produção, arranjos e direção musical de José Mário Branco. Essa parceria é para continuar sempre?

Sim o José Mário Branco tem sido a pessoa que percebe a minha forma e maneira de estar no fado. Consegue sempre encontrar o ambiente musical da minha forma de estar no fado. Todo o trabalho que foi realizado nestes últimos 24 anos que trabalhamos juntos foi fantástico e muito importante para mim. Ainda mais este disco, o José Mário ficou muito encantado de o fazer, porque foi a linguagem e a música do Marceneiro que o fez aproximar-se do fado. Ele era uma pessoa que estava distante do fado e de repente através do Marceneiro, do Carlos do Carmo e de pessoas mais antigas do fado, ele de repente uniu-se a esta música…e depois alguns anos venho eu.

O Camané participou nos Humanos. Qual é para si a principal diferença entre cantar pop e fado? Existe planos para os Humanos voltarem?

O Pop ou o Rock foram casos pontuais. Nos Humanos nós gravamos o disco e fizemos quatro concertos. Não fizemos mais nada. Foi um convite que me foi feito para participar porque acharam que a minha voz tinha haver, com aquela música porque o António Variações gostava muito de fado e havia uma ligação á música popular portuguesa e ao fado na forma de ele compor. E de repente fizeram me aquele convite. Depois convidamos o David Fonseca para cantar um tema no disco, ele gostou tanto do projeto que acabou por fazer parte do projeto e do disco como nós. Ele a Manuela e eu nas vozes, o Rafa, Helder Gonçalves, o Cardoso e o Serginho na bateria…ficamos todos ligados num projeto fantástico mas numa coisa muito pontual. O disco foi um dos maiores sucessos da música portuguesa, mas só fizemos quatro concertos porque cada um de nós tinha os seus projetos pessoais e não quisemos também fazer 80 ou 200 concertos por exemplo. Queria-mos fazer uma coisa única e pegar naqueles temas inéditos do Variações. Ele não teve oportunidade para as gravar porque morreu antes. Temas como “Quero é Viver”, “Maria Albertina”, “Mudar de Vida”…ele nunca os gravou. Ele cantava estes temas a bater com os pés no chão nas escadas do prédio dele a bater palmas e a cantar. Nós agarramos nas melodias que ele estava a cantar e daquela forma construímos os Humanos. Nada nos Humanos existe algo que foi feito ou gravado por ele. Estes temas possivelmente seriam para ele gravar e que de certeza seria um grande sucesso. 

Como vê o estado e o panorama da música atual em Portugal?

Esta muito bem. Existe coisas muito boas. Tanto no fado como no Hip Hip…existe muita gente a escrever bem em várias áreas como no Jazz e até na Clássica por isso recomenda-se.

Que conselho daria a quem está agora a começar no fado?

Eu acho que o mais importante é fazer o que se acredita, ir buscar a verdade e a autenticidade da música e não perder a característica desta música e não estar á espera de resultados. As pessoas vão para a música á procura do sucesso no fado, o sucesso demora anos é uma coisa que é para a vida. Fazer o melhor possível, ter a verdade e ser honesto e cantar aquilo que nós acreditamos e não cantar aquilo que as pessoas querem ouvir.

Uma última mensagem para os nossos leitores.

Já fui ao Canada muitas vezes. A última vez que lá estive foi em Vancouver, em Montreal e gostei imenso. Foi engraçado porque o público era metade, português e a outra metade do Canadá. Em Montreal havia mais canadianos e sentiram bem o fado. Estive também duas vezes em Mississauga em concertos para emigrantes, estive também numa acção de solidariedade no Hever Castle em Toronto e sempre gostei muito de cantar para a comunidade portuguesa porque sente-se a emoção de estar longe, a saudade, uma coisa que eles entendem bem melhor do que nós. Um grande abraço a todos.

Redes Sociais - Comentários

Artigos relacionados

Back to top button

 

O Facebook/Instagram bloqueou os orgão de comunicação social no Canadá.

Quer receber a edição semanal e as newsletters editoriais no seu e-mail?

 

Mais próximo. Mais dinâmico. Mais atual.
www.mileniostadium.com
O mesmo de sempre, mas melhor!

 

SUBSCREVER