Lifestyle

O Negativo da fotografia

Aida Batista

Há um poema de Paulo Costa, intitulado “ser português”, cujas estrofes fazem uma radiografia que põe a nu inúmerasdas marcas identitárias que nos definem como povo. Leio, releio, e vejo ali o nosso Portugal retratado! Uma dessas marcas cola-se à pele, como uma vestimenta que, de tão apertada, nunca a soubemos despir: “pensar que no estrangeiro tudo é melhor” ou “examinar a fotografia da vida pelo negativo”.Há um poema de Paulo Costa, intitulado “ser português”, cujas estrofes fazem uma radiografia que põe a nu inúmerasdas marcas identitárias que nos definem como povo. Leio, releio, e vejo ali o nosso Portugal retratado! Uma dessas marcas cola-se à pele, como uma vestimenta que, de tão apertada, nunca a soubemos despir: “pensar que no estrangeiro tudo é melhor” ou “examinar a fotografia da vida pelo negativo”.Tenho pensado muito nesta nossa estranha forma de vida (roubei o título ao fado) porque, nas últimas semanas, os noticiários nos tem debitado imagens belas e trágicas dos fortes nevões que, sem escolher geografias, a todos causticou com maior ou menor intensidade.Assisti a telejornais em que os entrevistados de diferentes países e continentes testemunhavam a quantidade de horas passadas em estradas bloqueadas, o tempo infindo gasto a percorrer meia dúzia de quilómetros, a falta de eletricidade em centenas de casas, o número inimaginável dos sem-abrigo em busca dos mais inusitados refúgios para fugirem à morte por enregelamento, as avalanchas que surpreenderam amantes dos despostos de inverno, e tantos outros que me abstenho de referir. Nada disto aconteceu em localidades de países do terceiro mundo. Tudo se passou em municípios habituados a lidar com frequentes quedas de neve, e dotados de equipamento destinado a minorar a variação brusca dos humores da natureza. Não quer isto dizer que, perante as circunstâncias, as pessoas se mostrassem acomodadas, mas entendiam que o que é excecional, é excecional e, contra a força da natureza, pouco ou nada se pode fazer quando se joga com a imprevisibilidade.O meu país continua a ser uma nesga de terra que o mar não quis (Ruy Belo), onde nada disto acontece. Um paraíso, quando comparado com as catástrofes que os ecrãs de televisão nos despejam diariamente em casa. Ao mais pequeno revés – um rio que salta das margens; um insignificante aluimento de terras que faz descarrilar um comboio, mas não provoca vítimas; uma ondulação mais forte a galgar um paredão, que arrasta alguém levianamente a procurar uma certidão de óbito na paisagem de uma “selfie” – solta as lamentações do costume e atira as culpas para o descuido de quem nos governa, porque o jogo de “atirar culpas” é aquele em que todos somos especialistas, isentando-nos da parte que nos cabe. O exercício do dever de cidadania é um trabalho de casa que ninguém quer fazer. Para rematar, vem sempre aquela frase que me tira do sério: “Este é o país que temos!” E que bom que é, digo eu, termos este país, apesar dos defeitos que também eu lhe reconheço. Na balança com que o peso, sei bem para que lado pende o prato das qualidades, que nos distinguiram como melhor destino turístico, apesar da concorrência de outros que visitamos sem conhecermos o nosso!Em troca das nossas lamúrias, murmuradas e repetidas em oração, ouvimos os elogios dos que nos visitam, como se fosse sempre preciso vir alguém de fora oferecer-nos um espelho para vermos retratado tudo quanto temos de bom.Das línguas que conheço, à pergunta “como está?”, nunca aprendi como resposta “vai-se andando!”, dito com um ar de quem arrasta o fardo do corpo por obrigação! Isto deve parecer estranho a quem aqui se instala e começa a interagir na nossa língua. Ao ler a reportagem “Alfacinha dos Himalaias”, na revista Visão, achei graça à afirmação de Kuber Karki que, para provar que já está bem integrado, diz, antes de soltar uma gargalhada, já saber como se responde quando um português pergunta se está tudo bem: “Vai-se andando!Espero que este nepalês não se integre ao ponto de, como nós, só vermos o negativo da fotografia, em vez de aprendermos a viver as cores da vida!

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