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Manuela Marujo – professora com alma de viajante

Manuela Marujo nasceu em 1949 no distrito de Beja e dedicou a sua vida ao ensino. Licenciada em Filologia Germânica pela Universidade Clássica de Lisboa e com um mestrado e um doutoramento em educação pela Universidade de Toronto, Marujo já visitou 30 países e gostava de voltar a África. Recentemente a Universidade de Toronto criou uma bolsa de estudo com o seu nome cujo objectivo é ajudar estudantes a viajar e a conhecer outros países e outras culturas.

Entrevistada pelo Milénio Stadium, a antiga docente falou-nos sobre as viagens que mudaram a sua vida.

Em breve a professora, com alma de viajante, vai estrear um espaço de crónicas dedicadas às suas viagens aqui no Milénio Stadium.

Milénio Stadium Quando é que entrou pela primeira vez num avião?

Manuela Marujo: Em 1970. Esperei pelos 21 anos para poder viajar sem autorização. Fui para Inglaterra porque queria praticar inglês. A ideia partiu do meu pai que sabendo que queria seguir línguas me aconselhou a viajar. Tive lá quase dois meses e através do Instituto Britânico consegui ir para casa de uma família. Tínhamos alojamento gratuito e só tínhamos que tomar conta de crianças. Fui muito bem-recebida e foi uma experiência fantástica.

MS: E depois de Inglaterra, que outros países é que visitou?

MM: Alemanha. Já me sentia à vontade no inglês, quer dizer, já tinha formação em inglês, mas quando cheguei a Inglaterra não percebia nada.  Mas pensei, agora tenho de ir aprender alemão. Trabalhei num hotel durante dois meses e era difícil fazer amigos e falar a língua. Mas no ano seguinte acabei por voltar.

Depois seguiu-se Angola, em plena Guerra Colonial. Tinha lá um irmão que me contava que a vida não era assim tão má. Depois fui para Moçambique e para a Guiné.

 MS: Quais são as principais diferenças entre a cultura inglesa, alemã e africana?

MM: Não consegui aprender na escola o que aprendi com as viagens. Nem nos próprios livros que li. Recomendo a toda a gente, com toda a convicção, viajar. Se tivermos curiosidade e prestarmos atenção à forma como as pessoas vivem, comparamos com a nossa realidade e começamos a viver de forma diferente. Claro que há choques culturais. Por exemplo recordo-me de observar em Inglaterra e na Alemanha a forma como se trabalha. O rigor, a exigência, o profissionalismo. Meu Deus, os alemães ensinaram-me a ser perfeita. A minha mãe tinha-me ensinado a limpar uma casa e eu achava que sabia fazê-lo até que passei pela Alemanha. Lá tinha uma encarregada que inspecionava a limpeza e encontrava pó e manchas nos vidros. E então ela dizia-me, “Oh menina, chama a isto limpeza?!”.

Por outro lado, em Angola aprendi a respeitar o ritmo dos africanos. As temperaturas e a humidade interferem muito na nossa agilidade. Queremos fazer tudo depressa, mas não conseguimos. Viver no Canadá ou em Portugal é completamente diferente.

MS: E como é a cultura inglesa?

MM: Adoro Londres, para mim tem tudo o que podemos desejar a nível cultural, museus, concertos, teatro, dança, monumentos… Os museus são gratuitos porque eles trouxeram de países como a Grécia as maiores riquezas e são obrigados internacionalmente a ter aquilo à disposição de quem quiser ver. Já estive em muitas cidades, até a nossa pequena Lisboa, mas nenhuma tem nem 1% do que Londres tem. A Inglaterra é um país muito antigo e com uma herança colonialista que lhes permitiu trazer para o seu país aquilo que há de melhor no mundo. E por isso de certa forma têm a obrigação moral de colocar à disposição do público este legado cultural. Ir a Londres é quase uma obrigação porque tem tudo o que se pode desejar, ver e experimentar.

É obrigatório visitar os países da Grã-Bretanha. A Escócia, o País de Gales e a Inglaterra. Porque a Inglaterra não é só Londres, tem muitas cidades. Identifico-me muito com esta cultura e com o sentido de humor inglês, talvez por isso tenha vindo parar ao Canadá. Já visitei muitas vezes a Inglaterra, mas nunca me canso de voltar.

MS: O que é que leva na mala?

MM: Agora cada vez menos, hoje o mundo está muito uniforme e podemos comprar roupa e calçado em qualquer sítio. Levo o mínimo de peso, máquina fotográfica e iphone. Gosto de registar em fotografia porque sei que existem alguns países aos quais não vou voltar.

MS: A que países é que não quer voltar?

 MM: Os países da Escandinávia – Noruega, Suécia, Dinamarca. Têm um nível de vida muito caro e apesar de toda a beleza natural, florestas e fiords, são países que não me deixam muitas saudades. Japão e Malásia também são países que nos oferecem obstáculos. Não dominamos a língua e por isso o nosso olhar sobre eles é sempre através dos outros. O que um intérprete nos diz é sempre em segunda mão e isso é muito limitativo.

MS: Qual é o seu país/continente preferido?

MM: Gostei muito de África e gostava de regressar a Angola porque foi um destino que me marcou pela beleza, pelo povo. Também gostei muito de Moçambique e da Guiné, mas não me marcaram da mesma forma. O povo africano foi menos contaminado pelo capitalismo e são pessoas com o coração muito aberto.

MS: Conhece Portugal de Norte a Sul e ilhas?

MM: Conheço Portugal muito bem e já visitei quase todas as ilhas dos Açores e da Madeira. Só me falta a Graciosa porque na altura o porto estava em obras. Em Portugal nunca ninguém me incentivou a ir aos Açores, depois de vir para o Canadá é que lá fui. A primeira vez foi em 1987 e acho que já voltei pelo menos dez vezes. Sempre que vou a Portugal paro em Ponta Delgada.

MS: As ilhas são diferentes do Continente?

MM: Muito, mas as ilhas têm um espaço muito limitado, eu nunca poderia viver numa ilha. Sou alentejana e estou habituada a grandes horizontes, faz-me confusão ver o mar em todo o lado. Tenho pena que alguns açorianos não possam ir com mais frequência ao Continente. Quando fui aos Açores pela primeira vez parecia que estava a comer a comida da minha mãe. A comida alentejana e a açoriana têm muito em comum, mas até as bandas filarmónicas e os ranchos folclóricos são parecidos. Há muito em comum entre o Continente e os Açores. Agora há uma grande promoção dos Açores no Continente e muitos continentais já conhecem os Açores. Mas estivemos anos demais sem conhecer este arquipélago.

MS: O turismo de massa assusta-a?

MM: O turismo inevitavelmente traz mais gente e mais confusão, mas também traz muitas melhorias. Eu sou a favor do progresso e de todas as pessoas visitarem estes pontos turísticos. Incomoda-me ir aos pastéis de Belém em Lisboa e ter uma fila de 100 pessoas, mas isso é sinal que eles gostam das mesmas coisas que nós. Acho mais positivo do que negativo.

Nós vamos por exemplo a Praga e não conseguimos andar na rua. Mas porque é que as pessoas não hão-de conhecer Lisboa que é tão linda? A Alfama e a Mouraria não são só nossas, esse é o preço que pagamos por hoje o turismo ser mais acessível.

Na Universidade sempre incentivei os meus alunos a visitarem a Europa, mas é um destino muito caro para quem vive no Canadá.

MS: Quando viaja fica em hotel ou em casa de amigos?

MM: Gosto de ficar em casa de pessoas. Na minha casa já recebemos muitas pessoas e é uma experiência fantástica. É gratuito e já recebi brasileiros e italianos. Se formos para um hotel, e eu já trabalhei num hotel, faz-se tudo igual para agradar os clientes. É muito mais real se formos para casa de alguém, vivemos muito mais o lugar e as suas gentes.

MS: Que lugar é que o Canadá ocupa na sua vida?

MM: Estou cá há 33 anos e praticamente metade da minha vida foi passada aqui. Gosto muito deste país e foi aqui que escolhi viver. Gosto muito de Portugal, mas não troco o Canadá por nada. Tive um trabalho que me permitiu viajar pelo mundo e tenho um grande sentido de gratidão por este país. Em Portugal eu tinha uma vida boa, sou a única emigrante da minha família, mas o Canadá deu-me mais oportunidades. Penso que o Canadá ainda é pouco conhecido na Europa e confundem-nos sempre com os americanos.

MS: Que diferenças é que existem entre Portugal e o Canadá?

MM: Em Portugal crescemos rodeados de obras de arte e de sinais de cultura. O Canadá é um país muito novo. O europeu gosta de cinema, teatro e arte. Aqui o acesso à cultura é caríssimo, é elitista. Nem todos podem pagar $25 para entrar num museu com a família. Os canadianos viajam mais para Cuba, República Dominicana…

MS: Com as viagens aprendeu a gostar mais de Portugal?

MM: Claro que sim porque quando viajamos aprendemos a valorizar o que temos. A nossa casa, a nossa família, o nosso país. Portugal tem tudo, mas numa escala muito pequena, não se pode comparar Lisboa com Paris, Berlim ou Londres.  Num mês conseguimos conhecer Lisboa, mas não chega para conhecer Londres, por exemplo.

MS: Recentemente a Universidade de Toronto criou uma bolsa com o seu nome.

MM: A bolsa tem o meu nome e pretende ajudar os alunos a viajarem. A Manuela Marujo Travel Scholarship tem como montante mínimo $25,000, vai ser anual e quem estiver solidário com esta causa pode contribuir, ainda que seja com um valor mínimo. Queremos que os alunos expandam os seus horizontes e os seus conhecimentos.

MS: Qual é a viagem que se segue?

MM:  Já visitei 30 países e conheço quase todos os continentes, só não estive na Austrália. Vou regularmente ao Brasil porque comprei casa em Santa Catarina. Agora quero ir a São Tomé e Príncipe e depois logo se vê (risos).

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